Obrigado pelos Títulos, Agora Queremos Futebol

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Obrigado pelos Títulos, Agora Queremos Futebol


Creio que devo começar por acalmar os (que se acham) mais acérrimos defensores de Sérgio Conceição, face a uma possível mas não-intencional "agressividade" inferida do título deste texto, mas que mais não é que a adaptação do título de um livro escrito por um bom amigo e que recomendo a todos, cujos detalhes guardo para o post scriptum.




Somos Campeões, carago! Do campeonato e da Taça, a saborosa Dobradinha, que é como quem diz, umas belíssimas e dominicais Trip(inh)as à moda do Porto. Parabéns a todos os envolvidos nestas determinantes conquistas, com natural destaque para jogadores e treinador.

Em inusitado tempo de pandemia e incerteza, esta dobradinha chega como um enorme bálsamo de tranquilidade e coragem que os Portistas muito agradecem e celebram, mesmo que de forma contida e contra-natura. Enfim, apenas mais uma dificuldade, das muitas de que é feita cada conquista da nossa história.

A final da Taça acabou por representar exemplarmente o que é ser do /jogar pelo FC Porto. Mais de uma hora em inferioridade numérica, uma arbitragem hostil e os nossos a morderem a língua, fazendo das tripas coração para trazer o troféu para o Museu do FC Porto. Não necessariamente contra tudo e todos, como muito gostamos de apregoar, mas seguramente contra muito mais que os 11 adversários em campo.

O Porto é uno e indiviso, Clube e Cidade, e nunca será apenas futebol. Pelo contrário, cada vez mais é necessário um Clube forte e determinado em carregar a bandeira de toda uma região - que não é geográfica, mas de sentimento de pertença - contra os permanentes vilipêndios e achincalhos por parte do centralismo bafiento e macrocéfalo que nos tolhe o desenvolvimento enquanto nação. Valente e imortal? Não, dependente e imoral.

Quem não entende isto, não se deveria considerar portuense. Que tenha a infelicidade de ter "nascido" e crescido do Benfica ou Sporting, enfim, disso não terá culpa, mas não entender o que o FC Porto representa (até para eles), é falta de coragem ou incapacidade.

Por tudo isto, cada conquista, cada troféu, é sempre mais um avanço da resistência, um novo grito de revolta, um abanão na inércia que nos adormece nos braços. Por tudo isto, Sérgio Conceição é, para mim, um herói dos tempos modernos. Não voa, não tem visão raio-X, mas tem uma força interior "sobre-humana" (e agora usa máscara, como todos nós) que nos teria conduzido agora ao tricampeonato, não fosse pela habitual vigarice dos sem-vergonha nas jornadas decisivas da época passada.

Sou, ao mesmo tempo, o maior defensor e o maior crítico de Sérgio Conceição. Parece ser uma pessoa normal, como qualquer um de nós, talvez com a diferença de ter defeitos e virtudes muito bem vincados, sempre presentes e facilmente detectáveis por todos. Goste-se ou não, pelo menos não engana.

O meu "problema" com ele é exclusivamente "profissional": como fui escrevendo ao longo destas três temporadas, o Sérgio chegou no meio da maior crise do Clube a que assisti (e que ainda subsiste, note-se) e fez de um bando de rejeitados e perdedores uma equipa de campeões. Esse mérito já seria suficiente para ficar eternamente nas páginas douradas do Porto, mas não se ficou por aí. Teve coragem para seguir ao leme na nova temporada.

Desvanecido o efeito surpresa e perante contratações que pouco ou nada acrescentaram, começou a fase lunar de Conceição: os resultados ainda foram aparecendo, mas o futebol nem por isso. Tendência que, sublinhe-se a bold, já vinha da primeira época. A questão é que nessa primeira época o desígnio era claro - manter a exclusividade do Penta - e as expectativas baixas, após várias épocas de péssimas escolhas do Presidente, que nos deixaram à mercê da incompetência, desonestidade e/ou falta de brio profissional dos vários treinadores e empresários que foram passando pelo Dragão, cada um com sua pá, cavando uma sepultura cada vez mais profunda.




Sentindo-se acossado, chegou a revoltar-se com os adeptos que pediam espetáculo, remetendo-os para o Coliseu ou Sá da Bandeira. Entendo bem que quem trabalha com dedicação e sacrifício da vida pessoal, se sinta injustiçado ao sentir esse tipo de exigência, ainda mais quando pontuada por muito desconhecimento do trabalho realizado e do próprio jogo.

Mas faz parte da vida do treinador do Porto, como ele bem sabe. E mais importante, pelo menos no meu caso, é que o tal "espetáculo", que eu designaria antes como bom futebol, além do inerente prazer de o assistir, nos colocará sempre mais perto de vencer - e aí, meu caro Sérgio, não há como contestar: jogar bem não é só (nem principalmente) jogar bonito, é jogar com confiança e atitude desde o primeiro apito, é saber e conseguir controlar o jogo, é impor respeito ao adversário seja ele qual for.

E isso, até hoje, ainda não aconteceu de forma consistente e predominante. Claro que houve jogos assim (felizmente, quase todos os contra o Benfica e uns quantos mais), mas volta e meia sentia-se a equipa amarrada, sem soluções para chegar à baliza contrária, ainda por cima sem a consistência defensiva que justificasse essa inoperância ofensiva. Qualquer Portista reconhecerá o frequente receio de poder sofrer um golo a qualquer momento, de qualquer adversário. Foi muito isto a segunda época - isto e a incapacidade de ganhar nos momentos decisivos (finais) e, claro, as arbitragens incorrectas e sempre tendenciosas a favor dos sem-vergonha.

Apesar de alguns bons reforças, tudo parecia indicar que esta terceira temporada ia ser mais do mesmo: pouco futebol e nenhum troféu. Para agravar, a eliminação madrugadora perante o Krasnodar, que tanto nos custou a nível económico (ainda por apurar o quanto...) mas também desportivo e mental. Por alturas da final da Taça da Liga, tudo parecia estar prestes a implodir: até o próprio Sérgio se revoltava publicamente contra o que considerava estar mal, embora tendendo a esquecer-se de incluir os erros próprios.

Podemos agora gozar com quem nos fez o funeral na altura, mas... usando de seriedade intelectual, quem é de nós, por aquela altura, não antecipava um fim muito triste para a temporada? Eu evidentemente que sim, digo-o sem assombro. Era o mais natural e o mais provável, sejamos sérios.

Felizmente não foi. Soubemos resistir (dentro de campo) e aproveitar o inesperado desabamento da equipa do Benfica, que nem com algumas das habituais ajudar teve capacidade para evitar o espectacular naufrágio. A vitória sobre eles no Dragão foi o princípio do seu fim anunciado. Depois... veio a pandemia e, meses mais tarde, o recomeço das competições. Voltamos a falhar com estrondo em Famalicão e tudo voltou àquele final de jogo na "Pedreira" em Janeiro. O resto é mais do que conhecido e acabámos inclusive a Liga jogar o nosso melhor futebol da época, alternado com mais alguns momentos de credo na boca, como em Paços de Ferreira.

Tudo somado, regresso à opinião que tinha no início desta temporada sobre Sérgio Conceição (depois de ter deambulado por maior negatividade): é a pessoa em quem mais confio para manter esta direcção "na linha", mas sem deixar de lhe exigir que evolua o seu pensamento sobre o jogo e desenvolva uma proposta mais condizente com o estatuto de clube grande. Percebo bem a questão premente dos ovos e das omeletes, mas sinceramente creio que teve matéria-prima para fazer melhor a nível do futebol jogado.

No final, todos queremos é ganhar, mas importa-me quase tanto a viagem como chegar ao destino. Desejo, do fundo do coração, que Sérgio Conceição continue no Clube, tanto como que tenha a vontade de melhorar a sua proposta de jogo.



Uma nota final para me despedir de San Iker, agradecendo-lhe a forma como se deixou apaixonar pela minha cidade e pelo meu clube. E de todos os que possam sair neste defeso, já agora. Até já, até sempre.


Parabéns e obrigado, Campeões!


Do Porto com Amor,

Lápis Azul e Branco




P.S. - o livro a que este texto rouba o título é "Obrigado pela Democracia, agora queremos Liberdade", da autoria de Miguel Ferreira da Silva, um dos fundadores (o mais importante, digo eu) da Iniciativa Liberal, que explica no livro o processos e contexto em que este movimento político se desenvolveu.

Antes que dêem asas ao sectarismo que vos caracteriza, por favor notem que é uma reflexão interessante para todos os que se interessam pelos caminhos que Portugal vai trilhando, independentemente das crenças políticas. Aliás, se calhar é até mais interessante para quem não se revê naquilo que a IL é e representa hoje. Excelente leitura de férias, trust me.



15 comentários:

  1. Subscrevo e assino por baixo.
    Numa das mais difíceis épocas da história do FC Porto, Sérgio conseguiu o impensável, mas raras excepções o nível de futebol deixou a desejar, aguardamos expectantes, como vai ser a equipa na próxima época, sabendo da necessidade premente que temos em vender e se Sérgio consegue dar o upgrade necessário ao nosso futebol, sabendo que existe alguma falta de qualidade no plantel, que na verdade é transversal no futebol actual, pagam se milhões por jogadores sem grande qualidade.

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    1. De acordo, mas não bastam ingredientes de qualidade, há que aprimorar as receitas.

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  2. Sejamos honestos. Não fosse a debacle do slb e tinha sido um desastre. Uma das piores equipas desde que vejo o FCP jogar e já lá vão 45 anos.

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    1. Sejamos justos também: mesmo sendo "uma das piores equipas" desde que vê o FCP jogar, só não somos tricampeões porque os árbitros não deixaram. Ninguém gosta do estilo, mas prevaleceu a eficiência. O problema é que assim, a cada ano que passa, teremos menos hipóteses de sucesso.

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  3. As DUAS GRANDES VITÓRIAS do FCPORTO (Campeonato e Taça de Portugal) devem-se na minha opinião, a SC (quem eu o ano passado defendia que devia ser despedido), que segurou firmemente o leme, a PC que aguentou o "barco" e ao colapso dos corruptos de carnide.
    PARABÉNS DRAGÃO e MUITO OBRIGADO.

    Luís (O MEU, O TEU, O NOSSO FCPORTO)

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  4. Não nos podemos deixar inebriar por estes títulos. Sejamos sérios e concordemos que este campeonato só foi ganho pelo colapso que aconteceu aos toupeiras. Perder com o Famalicão e empatar com o Aves diz bem da nossa falta de qualidade. Que os títulos não branqueiem o que está mal. Para mim SC devia dar lugar a outro. Na próxima época é fundamental um ponta de lança minimamente competente.

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    1. Discordo Francisco, foi ganho porque soubemos resistir às nossas próprias fraquezas e superá-las. Que os outros tenham caído ajudou, mas também contribuímos para essa queda. Sei que não é de agora que lê o que escrevo, pelo que sabe que não branqueio nada, apenas expresso a minha opinião. E respeito a sua quanto a SC, obviamente, mas nesta fase da vida do Clube, vejo-o como a rolha no funil que impede o descalabro total. Se vier o Morelos, ficamos bem servidos.

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    2. O engraçado é que se não fossem os "padres" era tricampeão. E sim, quando nos nos ganhamos é sempre demérito dos outros. Se o Baía não tem feito a defesa ao Giully, tínhamos perdido a Champions and so on...

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  5. Alvissaras caro Lápis, permita-me, apesar deste hiato comunicacional ou se calhar por isso mesmo, saudá-lo efusiva e eternamente grato pela sua deferência e generosidade que sempre me dedicou e que não me esqueço. O Lápis sabe do que estou a falar (Ops! Esta expressão, a nós Portistas, não nos é particularmente grata mas não encontrei melhor).
    Posto isto, apenas manifestar a minha concordância com o teor do seu Post, aliás, o título é a súmula perfeita do sentimento que me invadiu durante a Época, desencanto no início, alguma angústia durante e a alegria suprema no final ao culminar com os momentos de glória do nosso FC Porto e por inerência, de todos nós Portistas, que, apesar de situações adversas e de incertezas quer a nível do país, quer a nível pessoal, quiçá mais importantes, não abdicamos, todavia, de sentir e viver o FC Porto, que funcionam para nós como um bálsamo e paliativo compensadores.

    Tudo do melhor para si, família e óbviamente para o nosso FC Porto. Grande abraço Azul e Branco.

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    1. Fernando, folgo muito em ter notícias suas e saber que está bem (o suficiente para ter paciência para me ler e responder, pelo menos, o que já será alguma coisa). Não tem absolutamente nada que me agradecer, fico feliz quando posso ajudar. Não lhe digo para voltar sempre porque é mais raro ter vontade/tempo para escrever, mas vá passando... Um abraço e... resistiremos!

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  6. Excelente reflexão sobre o futebol do nosso Clube. Alguns comentários igualmente " de fazer pensar".
    Não posso é de maneira alguma, concordar com a ideia transmitida por alguns comentários, que o plantel 2019/20 era fraco. É e era seguramente o melhor dos últimos 3 anos. Do guarda-redes ao extremo esquerdo. Com gente madura recheado de jovens promessas. Há ali um grupo de 15/20 jogadores excelentes, que inclui do melhor que há no México e na Colômbia, por exemplo.
    Façam um exercício :
    Imaginem-se Diretor Desportivo do FCP com possibilidade de ir "buscar" jogadores ao SLB - quem poderia interessar? 2 no máximo 3.
    Agora imaginem-se nessas mesmas funções no SLB, quem vinham buscar ao FCP? Uma boa meia dúzia deles. Ou mais.

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    1. Bons pontos Fernando, tendo a concordar - embora quando uma equipa (qualquer) está na mó de baixo, todos parecem piores do que realmente são.

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  7. Acho que é da mais elementar justiça nomear SC (e a sua equipa, incluindo o presidente PdC) como o 'criador' desta dobradinha. Não o fazer seria de uma grandessíssima desonestidade intelectual. Mas também concordo que nem tudo correu como era esperado e há bastante por onde melhorar.
    Ao contrário de muitas pessoas, não acho que o nosso plantel fosse tão fraco assim. Houve foi muitos jogadores apontados a titulares que tiveram performances e rendimento muito abaixo do esperado. E isto é uma responsabilidade dos técnicos, tirar o máximo rendimento dos seus jogadores.
    A minha esperança é ver o SC a melhorar neste último capítulo, porque mesmo vendendo meia equipa continuaremos a ser fortes suficiente para competir com a Lisboa do petróleo.

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