Escrevo sabendo que trilho um caminho perigoso, porque estruturo o meu raciocínio da mesma forma que o pobre coitado do Rui Santos o fez (ontem, em directo no palco da Sic Notícias), começando por me declarar contra qualquer tipo de racismo ou discriminação de outro tipo. Espero manter a lucidez e não acabar como ele, provando-me racista e imbecil.
Portugal é um país predominantemente racista, todos o sabemos. Talvez as gerações mais recentes, dos teens, dos "vintes" e de alguns "trintas" o sejam menos, por força da tecno-multiculturalidade geracional que os absorve desde o berço. Talvez, mas não o tenho por garantido.
Facto é que nós, os dos "entas", estamos impregnados com um perfume de cariz discriminatório, muitas vezes direccionado para a raça mas não só, também por força da mentalidade "português suave" que evoluiu (livremente) desde o tempo colonial. Sempre (ou quase) tácito, implícito, assumido mas nunca reconhecido. E há boas razões para isso.
(Sei que não há boas razões para justificar qualquer espécie de racismo ou discriminação outra, mas acompanhem-me por mais um pouco, por bondade ou condescendência)
Eu sou, em certa medida, praticante de discriminação. Não por acreditar ou defender a superioridade de uma (qualquer) raça face a outra ou às demais, não por pretender evitar o (inevitável) cruzamento de raças (na defesa do "bacteriologicamente puro", como o pateta Santos dizia enquanto tropeçava na armadilha que o próprio subconsciente lhe montara) nem nenhuma das outras baboseiras que nos tentam impingir os Venturas desta vida, nada disso. Nunca, jamais.
Basta ter o mínimo de formação cívica e de humanidade para que qualquer pessoa se situe nos antípodas deste posicionamento, não é sequer nada de excepcional. Mas sou sim um pouco racista, no sentido em que me habituei a ver, ouvir e finalmente replicar, sem sequer me questionar ou reflectir sobre, comportamentos que objectivamente são discriminatórios. Há maldade, vontade de segregar ou inferiorizar alguém nesses comportamentos? Não, não da forma a que hoje se cola instantaneamente o rótulo de "porco racista".
Exemplifico, sem meias-palavras. Situação vulgar, infelizmente, estar ao volante e um(a) condutor(a) fazer uma asneira cabeluda. Se o condutor for negro, a minha reacção instintiva é a de soltar algo como "és burro, ó preto do caralho??". Eu sei, assim escrito choca ainda mais, mas quem é do Porto ou do norte do país, entende bem a inocência dos palavrões. Esta frase, em si mesma, aparentemente denuncia o óbvio: quando perante a necessidade de insultar/agredir, recorro à palavra "preto" como se de um insulto se tratasse. Porque é fácil, imediato, instintivo. Mas é por ser racista, por acreditar que é pior ser preto do que ser branco ou amarelo? Claro que não, não da forma como pensarão que possa ser os menos avisados/mais desonestos.
Da mesma maneira, conforme as características "salientes" de quem comete a tal asneira, facilmente mudaria para "és burro, ó gordo do car...??", "és cego, ó caixa d'óculos do car...??", "és burra, ó vaca do car...??" e assim sucessivamente (nem vos conto quando leva o galhardete do milhafre no retrovisor). Até quando se trata de um homem branco, elegante e de boa visão, é fácil e instintivo o insulto "és burro, ó corno do car...??". Sou um Lucky Luke do insulto, eu sei. Mas, no fundo, o que une todos estes "adjectivos" é a diferença que estabelecem perante eles e quem os profere: "tu não és como eu, toma lá que é para aprenderes, já que és um nabo a conduzir". Não é inocente, mas tão pouco é uma discriminação consciente e voluntária. É, na maioria das vezes, apenas um desabafo que alivia a tensão.
Imagino que muitos por esta altura dêem por garantido que sou um cretino altamente preconceituoso e discriminador perante os vários grupos... tipicamente discriminados ("não-brancos", mulheres, obesos, traídos, etc.), em súmula, um candidato natural ao Chega. Na verdade não sou nem nunca serei e seria incapaz de discriminar alguém, de forma consciente e reiterada, que não fosse por critérios objectivos e intencionais como os da boçalidade, da estupidez ou da desumanidade. Já a parte do cretino, deixo à consideração de quem me conhece. Quem quiser ver isto como preto ou branco, ou se é racista ou não se é, que me crucifique (também sou bom a desenferrujar pregos).
No fundo, há preconceito subjacente, obviamente, mas é "benigno", tanto quanto possa ser, pelo menos. Diz que é uma espécie de racismo, este racismo português de Portugal. Não quer matar, mas mói. E sim, deve desaparecer, mas não adianta decretá-lo, terá de ser conscientemente reflectido e afastado.
E isto tudo para chegar a Marega.
Um jogador que me comove, literalmente, pela alergia que têm à bola, como se ambos tivessem a mesma carga eléctrica e se repelissem constantemente. Desespera-me. Tal como muitos outros, diga-se. E ao contrário de uns quantos, que admiro. Como qualquer um que goste de futebol. Mas isso é irrelevante, porque não estamos a tratar de futebol. Eu não gosto do jogador e nem sequer conheço a pessoa. O facto de vestir a azulebranca dá-lhe crédito a meus olhos, logicamente, mas limitado e com juros altos.
Como já perceberam, não sou fã de Marega. Nem eu, nem muitos milhares de adeptos do Vitória, suponho. E mesmo os que possam ser, num dia em que ele defronta a sua equipa, é normal que desejem que tudo lhe saia pelo pior e - podendo - não hesitem em criar as condições para que isso aconteça. Assobiar, chamar nomes, fazer gestos feios, insultar. Tudo isto é normal nos estádios portugueses - quem disser o contrário, é mentiroso. Normal porque recorrente, não porque correcto ou aceitável.
Mesmo os agora infames "uh uh uh uh uh uh" são "normais", saibam disso ou não. Menos frequentes hoje, é verdade, mas subsistem e vêm pelo menos desde que vou a estádios de norte a sul do país, uns trinta e muitos aninhos bem medidos, na estrada da bola. Quem disser o contrário, mente ou não conhece. Aconteceu e ainda acontece. Menos hoje, repito, muito também por conta das campanhas anti-racismo que o futebol tem promovido e da própria evolução da sociedade.
Ontem, Marega fez questão de nos dizer que não é normal, que não pode ser normal e que ele - em nome de muitos, seguramente - não está disponível para os continuar a ouvir. Eu, que não faço nem me lembro de ter feito os "uh uh uh", senti-me visado pelo seu statement, como se os fizesse também. Porque reconheço que, ainda que mentalmente, já os fiz ou tive vontade de, pelo menos. E porque é uma indignidade, se visto pela perspectiva dele - a única que conta, em minha opinião.
É chocante que em 2020, em Portugal, este tipo de atitude seja ainda "normal" ou normalizada. Reconheço a minha quota-parte de culpa, quanto mais não seja pelo estado de dormência em que me deixo navegar na espuma dos dias. Por isso, desculpa-me Marega, foi mau mas nunca foi por mal. Arrisco-me a dizer que alguns/muitos dos que ontem tiveram aquele comportamento indecente pensarão hoje da mesma forma. Não serei eu a desculpabiliza-los das consequências, com que devem arcar, mas ajudo-os a enquadrar a situação se tal fizer sentido.
Este episódio já serviu para nos pôr, enquanto indivíduos e enquanto sociedade, a reflectir um pouco sobre o tema. Pelo menos isso teve de positivo, se nada mais. No entanto, aproveitando o embalo, deveria também para nos fazer reflectir sobre a profunda e nojenta hipocrisia que comanda o desporto e em particular o circo mediático que rodeia o futebol em Portugal.
Os moralistas de ocasião, palhaços deste circo, que ontem puseram a sua cara (de pau) mais séria e institucional e fizeram juras de amor a Marega contra o racismo, deveriam ter vergonha do que são e do que representam. Toda essa corja de invertebrados que infecta diariamente televisões, rádios, jornais e redes sociais, sob a capa do especialista, do comentador, do jornalista e do dirigente, estendeu ontem uma das mãos enquanto recarregava a outra com mais pedras para atirar já de seguida, no fundo o seu verdadeiro desporto-rei.
Fazem-se de indignados perante o "caso" Marega, mas andam há anos, décadas, diariamente a espalhar a insídia e a calúnia, a mentir e a omitir, normalmente em nome de um amor cego e sem-vergonha.
Perante o encarceramento imoral de um denunciante da mais variada panóplia de crimes que lesam e empobrecem nações e povos, fazer o quê? Apoiam e justificam a imoralidade, apenas porque no meio da lama estará a prova dos delitos do seu slb.
Perante os graves actos de violência perpetrados por delinquentes das claques benfiquistas, semana após semana, em que pessoas são agredidas (crianças e idosos incluídos), bens são destruídos, forças da autoridade são desrespeitadas, ameaçadas e agredidas, fazem o quê? Silenciam, omitem, ocultam, desviam as atenções.
Perante a maior farsa de sempre do futebol mundial, em que o slb corrompe tudo e todos para no fim roubar os títulos, fazem o quê? Glorificam, festejam e ainda gozam com os espoliados, mesmo perante uma infinidade de provas e testemunhos dessa corrupção.
Perante o caso semelhante com Hulk na Luz fizeram o quê? Esgotaram as pastilhas Rennie das farmácias e esconderam-se nas suas tocas, seguindo a preceito o manual do bom verme.
Sabem a diferença entre o que aconteceu ontem em Guimarães e antes noutros palcos portugueses? É que ontem, por força da atitude de Marega e da era da informação instantânea, o caso chegou rapidamente aos quatro cantos do mundo. E se há coisa que o aldrabão pacóvio português não admite é ficar mal-visto fora de portas. Cá dentro, espinha partida, desde que o slb ganhe. Mas se os estrangeiros estiverem a ver, ai que temos de parecer dignos e íntegros.
Nojo, nojo absoluto por esta gentalha, que nada mais tem feito do que destruir a paixão natural com que se vive o futebol em Portugal, sempre com a alto patrocínio de presidentes da repúblicas, primeiros-ministros e secretários de estados dos mirtilos e a conivência transversal a toda a sociedade, desde juízes a magistrados e procuradores-gerais da república, de directores de estações de media a accionistas de referência, de bancários a banqueiros. Tudo em nome de uma doença que putrifica tudo aquilo em que toca, este slb do ladrão de camiões e seus acólitos. Até mesmo o Benfica merecia melhor.
Se o racismo não pode ser tolerado nem relativizado, a hipocrisia também o não deveria ser.
Força Marega!
Do Porto com Amor,
Lápis Azul e Branco
Concordo com o post. A maior da parte do povo português é racista, mesmo que ao de leve. Por exemplo, não é indiferent para o comum do português que um filho ou filha case com alguém de raça negra.
ResponderEliminarEste caso do Marega é um problema de "pescadinha de rabo na boca". Em circunstâncias normais, não deveria ter saído de campo. Se começarem todos a sair de campo, as bancadas poderão começar a sentir que têm poder para controlar jogos e podem fazer parar alguns, consoante o resultado lhes agrade ou não. Por outro lado, como em Portugal se "assobia para o lado", se Marega se mantivesse em campo, não haveria consequências. Basta ver o exemplo do golo de Hulk na Luz, em que os sons de macaco emitidos da bancada eram óbvios. Nada aconteceu. Também é verdade que se meter o Benfica, nada acontece e os exemplos são múltiplos. Estes adeptos teriam de ser identificados e banidos dos recintos desportivos. Como já sabemos, tal não irá acontecer.
Se o caro Lápis é racista, então eu também o sou.
ResponderEliminarValha-nos que de hipócritas não temos nada.
A criança que mais adoro é "achocolatada" e familiar directa.
No entanto, também mando as "lavercas" que acima descreve, seja para o caixa de óculos, seja para o gordo, para o careca ou para o preto. O que não tolero, são injustiças para quem quer que seja.
A intenção, está comigo, com a minha consciência e até à data posso dizer que convivo muito bem com o meu eu.