O Futebol nos Tempos de Pandemia

quinta-feira, 7 de maio de 2020

O Futebol nos Tempos de Pandemia

"Quanto tempo esperaria pela pessoa que ama?"

É assim que a famosa obra de Gabriel García Márquez, em que o título deste texto se inspira, é promovida numa das livrarias online da nossa praça. Se ainda não sabe de que livro se trata, investigue, pela sua "saúde". Quanto tempo estaríamos nós dispostos a esperar pelo regresso do Futebol Clube do Porto aos relvados?

Por certo toda a eternidade, se em causa estivesse somente o amor ao Clube, mas é a coisas mais práticas e objectivas a que me quero referir, nomeadamente ao tempo a que teríamos de esperar se, por motivo de uma longa e irrecuperável paragem, fosse forçado a declarar insolvência da SAD, perdesse todos ou quase todos os seus activos com valor (jogadores) e fosse assim forçado a recomeçar do zero, nos distritais ou coisa que o valha. Sim, meus caros, porque pode bem ser disto que estamos a falar quando opinamos apaixonada e ignorantemente sobre a retoma ou não do actual campeonato e final da Taça.


imagem: Bruno Sousa


É também bem possível que apenas por não se retomar a época em curso, regressando na próxima, tal cenário apocalíptico quedasse ainda longe de se concretizar. No entanto, sabendo-se o que hoje se sabe desta doença e da distância a que se diz ainda estarmos de uma vacina pronta, produzida e distribuída para ser administrada a toda a população, que lógica ou argumento se pode encontrar em não jogar agora que a temperatura vai naturalmente subir e fazê-lo quando voltar outra vez a descer e atravessar a próxima estação de gripe que, inevitavelmente, chegará na sua habitual cadência anual?

Não encontro, de facto, justificação racional para não se jogar o que falta, se o objectivo é manter vivo o futebol (leia-se, retomar na próxima época). E até recorro a um argumento do presidente do Sporting (sim, assumo o risco) para reforçar a ideia: se o futebol, com todas as condições que oferece aos seus "colaboradores", não pode regressar, que área da economia poderá? Bem sei que o futebol é um jogo de contacto, mas sendo os jogadores testados regularmente e antes dos jogos, o risco será infinitamente menor do que ir ao supermercado ou trabalhar numa pastelaria, por exemplo.

Será diferente? Pois claro que sim e inevitavelmente para pior, até que se resolva o Covid ou se encontre uma forma dos espectadores poderem entrar e sair dos estádios com dois metros de distância entre si... Será estranho, triste até, incluindo para os jogadores, mas antes isso que perderem o emprego e nós a equipa. Jogue-se pois.

Outros quinhentos são os motivos perversos e escondidos (com as penas da cauda de fora) que muitos de nós suspeitamos estarem na base da decisão da Federação, apoiada pelo Governo - e com toda a legitimidade, dado o conspurcado passado recente - de retomar as dez jornadas que faltam disputar. E que não estivesse o Porto em primeiro, já há muito se tinha dado por encerrada a temporada. E ainda os válidos receios de que, se e quando os sem-vergonha passarem para a frente (benzo-me repetida e freneticamente), o Covid "regresse" em força e se dê por terminada a competição por "falta de condições". Percebo e partilho parcialmente destas suspeitas e receios, mas não acho que sirva de justificação para não querermos jogar, desde que se garantam condições de igualdade para os dois candidatos ao título. Condições de que cabe à direcção da SAD obter garantias irrevogáveis por parte da Liga e Federação.

Refiro-me em concreto à questão dos jogos fora de casa. Parece já posta de parte a ideia peregrina de se disputar todos os jogos numa mesma região ou até estádio, de tão estapafúrdia que era, mas ainda subsiste a de reduzir os estádios aos que oferecem "mais condições de segurança" covídica, o que me continua a parecer uma palermice (ou vigarice, se preferirem). Com os estádios vazios, não encontro motivos válidos para cada clube não jogar em sua casa. Mas, se de facto assim for, então que haja simétrica igualdade entre Porto e Benfica naquilo que é possível.

O cozinhado que se diz estar a ser preparado fará com que, por exemplo, o Porto defronte o Braga na Pedreira, como deveria ser, mas que o Marítimo-Benfica não se dispute nos Barreiros, antes num Estorilgate qualquer de conveniência. Isto, evidentemente, é desvirtuar a competição ainda mais, por coincidência em prejuízo do Porto. Posso aceitar o argumento de se querer evitar as viagens de avião (embora os aviões e aeroportos hoje estejam tudo menos cheios de gente), trazendo o Marítimo e o Santa Clara para o continente para disputar o que falta, mas entenda-se que a fórmula final tem de minorar ao máximo estes desequilíbrios competitivos. Como? Adoptando um critério compreensível de escolha dos estádios a que os "despejados" vão chamar de casa (se puserem o Marítimo a jogar no Algarve, estamos conversados) e que seja sempre o mesmo estádio até final e garantindo transmissões de todos os jogos de Porto e Slb em sinal aberto, incluindo e sobretudo os da BTV.

Dito isto, venha à bola! Mesmo sem poder estar lá, onde mais gosto, venha ela. Espero que o @CoachConceicao e o plantel se inspirem na magnífica prestação de Rui Cerqueira e Miguel Marques Mendes na criação do "FC Porto em Casa" - entretenimento de altíssima qualidade - e percebam desde o primeiro segundo após o primeiro apito que só eles poderão fazer o seu destino e evitar o fado bolorento que se está a ensaiar na sarjeta... que não duvidem que vão mesmo ter de ser muito melhores nestes dez jogos para acabarem a Liga como os campeões que acredito que são e serão. Tudo e todos, excepto nós, estarão a torcer para que assim não seja, resta-nos mostrar-lhes, uma vez mais, de que somos feitos.


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Até aqui falei apenas da Primeira Liga, porque é onde está o meu amor, mas não consigo encontrar nenhuma justificação que não seja a económico-financeira para não se disputar igualmente o que falta da Segunda Liga. E não me venham com a treta dos quatro balneários, porque ninguém me convence que não foi apenas um argumento fabricado para validar a conclusão que queriam obter. Condições de segurança para atletas, treinadores e staff seria sempre possível de garantir, nem que jogassem em estádios fantasma (Aveiro, Leiria, Algarve) e/ou da primeira Liga. Houvesse vontade, havia maneira.

Resumindo, money talks (yet again):

 - De um lado, a necessidade dos 3 grandes (sim, porque é apenas por causa deles tudo isto) de jogarem para recuperar parte das suas receitas e retomar a valorização, mesmo se parcial, dos seus melhores jogadores, lembrar aos compradores não só que existem mas que estão de boa saúde e com as qualidades intactas; em face desta necessidade, todos os demais clubes da primeira são chamados a jogar, para que a competição seja real e para que o efeito em cadeia propague, dos grandes para os outros, as migalhas de que tanto necessitam para sobreviver.

 - Do outro lado, suponho que a constatação de que os orçamentos da segunda liga se "fazem" com os tostões que a Federação libertará para o efeito, assegurando também a continuidade da maioria. E então o mérito desportivo? Bem, fica para depois. Até se deu a coincidência do SC Farense ser um dos felizes contemplados com a subida, vejam lá, poucos anos volvidos após o escândalo Harramiz que, num país sério, teria determinado a relegação de ambos os envolvidos para os escalões amadores. Mas se aqui até se encontra alguma lógica na decisão - os dois primeiros e os dois últimos tinham vantagens razoáveis sobre os "perseguidores" (ainda que completamente anuláveis), o que se fez no escalão não-profissional é de bradar aos céus.


Detectam alguma coincidência na carreira de Harramiz?


Chocante e vergonhosa são os adjectivos que encontro para qualificar a forma como as subidas do Campeonato de Portugal à Segunda Liga foram decretadas, sem ponta de critério que se possa defender. Para quem não sabe, o Campeonato de Portugal é disputado numa fase regular em quatro séries (A, B, C e D), da qual se apuram os dois primeiros de cada série para um playoff final de subida. E o que foi decidido quando a competição foi interrompida ainda na fase regular? Subiram os dois líderes com maior vantagem pontual nas quatro séries. A sério, foi mesmo assim. Como se a vantagem pontual em 4 competições diferentes, onde os clubes jogam apenas contra os da sua série, pudesse justificar alguma coisa! Obviamente seria possível pegar nos 8 clubes melhor classificados e fazer já o playoff, muito mais justo e inclusivo do que "isto". Aberrante, vergonhoso e insultuoso para os prejudicados e para todo o futebol. Mais do que protestar, espero bem que os clubes se unam e reúnam fundos para interpor acções legais que bloqueiem esta pessegada toda. VERGONHOSO.

Não, meus caros, este país não é para gente séria e não seria agora que iria mudar. Mas ainda assim há algo que nos une a todos, a necessidade de sobreviver, individual e colectivamente, pelo que o barco que nos transporta não pode afundar e isto aplica-se tanto ao futebol como à nação valente e imoral. É remar para a frente ou servir de comida para os tubarões.


Do Porto com Amor,

Lápis Azul e Branco



Outro tema, para fechar: regozijei-me, como qualquer pessoa civilizada, com a sentida reacção de RQ7 a propósito de mais uma descarga do esgoto a céu aberto que dá pelo nome de Ventura. Fê-lo porque é bem formado e provavelmente porque, apesar dos privilégios que conquistou para si, nunca terá deixado de sentir os olhares de soslaio e a desconfiança (no mínimo) apenas porque é cigano (e n vezes mais em relação a outros ciganos que são anónimos cidadãos). Muito bem, fez o que achou correcto e - digo eu - lhe competia.

Não se pode é confundir os pus libertados pela chaga de forma aparentemente humana com aquilo a que o deputado benfiquista se refere a propósito do desrespeito pela Lei. Porque esta, tal como o sol quando nasce, tem de ser para todos e todos a têm de respeitar sem excepções ou wildcards, independentemente do estatuto social, raça ou credo. Sendo ainda mais claro e referindo-me no caso à etnia cigana: por serem cidadãos de pleno direito, tem não só os mesmos direitos de todos os demais - incluindo o de verem respeitadas as suas tradições e costumes - como também as mesmas obrigações - incluindo o de os seus costumes e tradições não se poderem nunca sobrepor ou contrariar as leis do Estado de Direito. É tão simples (e tão complicado) como isto, mas tem de ser assim: nem exclusão, nem excepção.



2 comentários:

  1. Exactamente o que eu penso sobre o retomar/cancelar do futebol em Portugal! (como já havia comentado na "tasca" do DVP). Só acrescento que a verdade desportiva está ferida de morte só pelo simples facto de não haver descidas. Ao que acresce a mencionada questão dos jogos fora e em casa das equipas das Ilhas e a ausência de público.

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  2. Também acho que este regime de excepção se deve ao facto do Benfica não estar em 1° e também concordo com a teoria de que, passando para 1°, possa haver pressões para terminar o campeonato. A verdade é que a situação financeira de Porto e Sporting é extremamente delicada, e, por isso, não têm alternativa senão reatar o campeonato para irem buscar as tão necessitadas receitas.

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