Ainda (Sei) o Que Fizeram em Verões Passados

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Ainda (Sei) o Que Fizeram em Verões Passados


É verdade, parece mesmo um filme de terror de segunda categoria, a forma como o nosso Clube foi gerido no anterior mandato desta direcção.

Como se não bastasse a miserável gestão desportiva quase desprovida de títulos, ainda nos presentearam com uma gestão económico-financeira pouco menos do que ruinosa.




Sim, estou (felizmente) a falar de "verões" já passados, onde o desvario e a incúria foram quem mais reinou. Seja porque com o "incentivo" da UEFA deixou de ser possível continuar a empurrar com a barriga o início da resolução deste gigantesco problema, seja por a administração da SAD ter finalmente posto a mão na consciência, deu-se a inevitável inversão de rumo.

As "contas" hoje apresentadas - não por acaso, em simultâneo com o anúncio da compra da totalidade dos direitos económicos e renovação de contrato até 2021 de Aboubakar - são já filhas desse novo desígnio. Perante o olhar atento da madrasta UEFA, começou a ser trilhado um novo caminho rumo a um futuro (que se espera ser) mais sustentável.

Não vou analisar de forma exaustiva o R&C hoje disponibilizado, antes salientar os pontos que se me afiguram mais relevantes, seja pela concordância que me sugerem, seja pelo receio e dúvida que ainda me provocam: 

1) A nota que Fernando Gomes mais se esforçou por passar foi a do cumprimento do acordo estabelecido com a UEFA no sentido de evitar (mais) sanções à custa da falta de fair-play financeiro (FFP). Parece, de facto, indesmentível que se atingiu esse objectivo, ainda que por si só não nos deva animar por aí além quanto ao real melhoramento da situação do Clube. 

2) No entanto, a real nota de maior destaque são mesmo os resultados líquidos consolidados: -35,3 milhões de euros. Pode-se pintar da cor que se quiser, mas é incontornável. Outro prejuízo considerável e num exercício já sob o espectro do FFP. Cumprimos com o acordado graças ao "desconto" dado pela UEFA nestas avaliações, que permite excluir alguns tipos de despesa que concorrem para a formação deste resultado. Em contraponto, é logicamente bom que o EBITDA volte a ser positivo. 

3) No lado dos Proveitos Operacionais excluindo passes de jogadores, houve um crescimento de 30% face a 2015/16, com destaque para a retoma da rubrica de receitas da UEFA (quase triplicando face ao descalabro do ano anterior mas ainda inferior a 2014/15, onde chegamos aos quartos de final). Esta é uma componente muito relevante da nossa estrutura de Proveitos e, dentro deste modelo da Champions/Liga Europa, estará sempre indexada aos desempenhos desportivos.

Não por acaso, as receitas de Bilheteira apresentaram um comportamento muito idêntico. Registo também com agrado a manutenção da tendência de crescimento dos Direitos Televisivos e do Merchandising. 

4) Quanto aos Custos Operacionais excluindo passes, registou-se uma ligeira diminuição (-2%), reflexo de uma também ligeira baixa do Custo com Pessoal (-3,3%), a componente que mais pesa nesta estrutura. É positivo que assim seja, mas ainda manifestamente curto.

No entanto, note-se que o descalabro começou com a chegada do Lopetegui, onde esta rubrica verificou um aumento pornográfico de mais de 43% face à época de Paulo Fonseca. Como os contratos tem durações plurianuais, não se pode desfazer tudo de um ano para o outro. Daqui a mais um ano, espero ver uma descida bem mais significativa. 

5) Uma rubrica que me assusta são os Fornecimentos Externos: palavra que não entendo como é possível comportar quase 39 milhões de euros numa sociedade em que os proveitos não chegam sequer aos 100 milhões. Pior, não percebo como se chega a esse valor.

Quase €12M em "Trabalhos Especializados", que aparecem descritos como "custos de naturezas diversas associados à atividade do Grupo, nomeadamente: (i) custos com serviços de prospeção de mercado; (ii) custos com serviços de consultadoria jurídica; (iii) custos com serviços de consultadoria financeira, nomeadamente os prestados pela FC Porto – Serviços Partilhados, S.A.; e (iv) custos de produção de conteúdos do Canal de Televisão “Porto Canal". Desde já me ofereço para fornecer um serviço especializado ao Clube: "como gerir bem sem incorrer neste nível de custos com trabalhos especializados". E de borla, aproveitem!

Mas há mais. Aliás, poucas são as subcategorias que me deixam confortável, com destaque para a eterna "Outros", que sozinha soma mais €2,5M à conta. O melhor é mesmo ir directamente pagina 93 do Relatório e apreciar.




6) Afinal, Rúben não foi vendido por €18M, mas por uns ainda mais indecorosos €16M, aos quais se deduziram de imediato €3,5M para o bilhar e tabaco do costume. Louve-se o tom humorístico com que, no início do documento, se declara este como um "encaixe financeiro considerável". Brincalhões... 

7) No que toca aos Pagamentos e Recebimentos, mais um sinal de alerta. Contrariando a regra basilar de minimizar os tempos de recebimento e maximizar os de pagamento, na rubrica de Clientes (Activo) registou-se um aumento considerável da parcela não-corrente (adiada para exercícios futuros). Isto explica-se sobretudo pelo prazos de recebimento acordados/impostos nas transferências de André Silva e Rúben Neves. Por oposição mas sem correlação, a parcela corrente foi significativamente inferior.

Já em Fornecedores (Passivo) também houve "deterioração" mas nada de tão relevante, o que acaba por se espelhar na estrutura do próprio Passivo, que quase não se alterou. Nas responsabilidades com o reembolso de Empréstimos obtidos, prevê-se mais um ano animado e com muita engenharia financeira à mistura. 

8) E um pequeno Easter Egg, que fala por si: "A rubrica “Outros custos com jogadores” [€2,66M], no exercício findo em 30 de junho de 2017, inclui essencialmente prémios por séries de jogos devidos aos intermediários dos jogadores Maxi Pereira, André Silva, Danilo e Alex Telles, entre outros, bem como custos associados à rescisão do contrato de trabalho desportivo com o jogador Djalma."

Para quem tiver interesse e paciência, há muito mais para esmiuçar nas 172 páginas do documento. Se detectarem outro aspecto relevante para a discussão, caixa de comentários com ele!


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Em jeito de conclusão, estamos numa fase de transição para um modelo de gestão mais responsável, algo que não se consegue completar num único exercício por força de obrigações contratuais previamente assumidas e da natural "inércia" que assombra qualquer alteração de paradigma desta magnitude, incluindo muitos "vícios" antigos.

As contas de 2016/17 são o reflexo disso. Há sinais inequivocamente positivos, mas sobram ainda questões relevantes por endereçar. A UEFA apenas se interessa por alguns indicadores - os que constam do tal Settlement Agreement -, mas se esta administração estiver realmente empenhada em redimir-se dos erros passados, terá de ir bem mais além

E não me refiro à visão Passista da coisa, que se limita a ficar "abaixo" dos limites acordados (como Fernando Gomes tão orgulhosamente explicou), mas sim a cuidar em simultâneo de outros parâmetros importantes e não "verificados" pela "troika" uefeira: emagrecer e reequilibrar a estrutura de custos, aumentar a previsibilidade das receitas e uma cada vez menor dependência das mais-valias com passes de jogadores.

Daqui a um ano, espero ver um avanço muito mais significativo na nossa situação económico-financeira, fruto daquilo que (me parece) se está a fazer nesta época desportiva. Mas espero igualmente que seja apenas a cereja no topo do bolo, porque sou realmente guloso e em Maio quero saborear uma fatia de campeão nos nossos Aliados.

Venha de lá a bola a rolar, que já tenho saudades da azulebranca.



Do Porto com Amor,

Lápis Azul e Branco




7 comentários:

  1. Li o relatório na diagonal, e para além do crescimento face ao anterior, os valores em tesouraria (salvo erro, à volta de 8M ), fazem-me espécie. FFP oblige? Terá sido inflacionada esta rubrica?
    O que é que achas?

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    1. Eu também não tive nem um décimo do tempo necessário para uma análise mais completa, mas se bem percebi, referes-te ao crescimento das disponibilidades de caixa e equivalentes. Se assim for, é importante lembrar que se tratam de fluxos, e portanto, circunstancial à data de encerramento das contas, pelo que não tem grande significado (supõe que, por exemplo, a 1 de Julho tinham de pagar salários e prémios).

      Se te referes a algo diferente, por favor explica.

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  2. Não mencionou aquele que considero ser o dado mais relevante: os empréstimos atingem praticamente 200 milhões.

    E atenção que vai ser preciso um pequeno milagre para o valor não continuar a crescer esta época. São já 18 milhões em juros, ou seja, mais que um Rúben Neves!

    Outro dado igualmente preocupante: 50 milhões do contrato com a Altice já foram antecipados. É o equivalente a 10 anos do patrocínio nas camisolas!

    Finalmente, as vendas desta época estão por fazer: para parar esta hemorragia vai ser necessário perder vários titulares, o que irá colocar uma enorme pressão no plantel da próxima época.

    Segundo o acordo com a UEFA, o prejuízo máximo são 25 milhões, ou seja, menos 10 que na última época, onde se venderam dois jogadores (da formação) por 54 milhões!

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    1. Viva Fernandes

      Conforme já expliquei, foi numa abordagem rápida ao documento em que me baseei para escrever o post. Por essa circunstância, dei relevo ao que mais variou de um exercício para o outro.

      Há muitos outros pontos preocupantes, mas que já se arrastam há vários anos. Nesses incluem-se perfeitamente os que muito bem menciona: endividamento e antecipação de receitas.

      Em termos de endividamento, o que mais importa é o custo a ele associado, bem como a capacidade para honrar os pagamentos. Parece-me que o único ponto onde houve um crescimento importante foi nos empréstimos obrigacionistas, um dos (maus mas necessários) instrumentos utilizados para ir adiando a resolução dos problemas de fundo. Preocupa-me o crescimento global do passivo, associado a capitais próprios cada vez mais negativos.

      Quanto às vendas, continuarão a ser imprescindíveis enquanto os resultados operacionais excluindo passes não se aproximarem do break-even. É quase garantido que vamos vender 2 ou 3 bons jogadores, mas por agora o que realmente importa é que eles saiam de cá campeões.

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  3. Homens honrados e de contas como o Angelino e o Terinho já não existem.
    Malandros estes gajos da SAD. Tanto dinheiro desbaratado e nem compraram o Rafa.

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    1. A sério que, de tudo o que está escrito, é isto o que mais lhe releva?...

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  4. conclusao e preciso e ganhar em campo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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