Frasquilhos da Silva & Os Vulgaríssimos - Sem Misericórdia de Nós

domingo, 24 de dezembro de 2017

Frasquilhos da Silva & Os Vulgaríssimos - Sem Misericórdia de Nós


Aproveitando o espírito generoso da quadra, trago-vos sem anúncio prévio um espectáculo de luz e som que promete marcar as festividades de cada um dos estimados leitores - e bem para lá delas.

Já lá vai algum tempo desde a última vez que escrevi sobre esta tão nobre arte que é a política e sua afilhada, a governação de todos nós. Ou melhor, de alguns deles. Bem, adiante, porque o público está já em semi-histeria e não se aguenta mais pela chegada dos verdadeiros artistas.



Sem mais demoras, senhoras e senhores, aqui estão eles: os inimitáveis...

FRASQUILHOS DA SILVA & OS VULGARÍSSIMOS !!!

(a multidão explode num rugido eufórico)

(reparando agora melhor, não parece ser euforia o que move a multidão, parece ser... raiva, fúria descontrolada para deitar a mão aos artistas - felizmente que estão bem enjaulados na sua alienação tecno-pacóvia, alimentados a rabanadas e futebóis)

De cara séria - o mais séria que conseguem fazê-la, anyway, porque há traços que a mais séria das caras não consegue disfarçar - e com um leve aceno acintoso, voltam a acicatar a turba durante mais 30 segundos de um telejornal. Mas há que despachar a indignação porque o bacalhau já está a ficar frio - e podem fazer-nos tudo, menos servir comida fria.

Apesar da sua já longa carreira de quatro décadas, a banda apenas começou a ganhar notoriedade quando Cavacas de Boliqueime entrou para a pandilha, tal a sua capacidade de atracção de tudo o que havia de pior. Desde então, e mesmo após a sua saída, tem sido sempre a descer... quero dizer, a subir.

O seu grande hit do momento, a balada "SEM MISERICÓRDIA DE NÓS", que se revelou um fenómeno instantâneo de popularidade, mais não é do que um original à Tony Carreira, pois que se trata de uma tradução barata do famoso sucesso internacional "Catch Me If You Can".

O experiente realizador da transmissão televisionada para todo o país dá-nos um close-up no ar aparvalhado de uma jovem na primeira fila, recém-licenciada num curso de treta, a viver em casa dos pais e sem qualquer intenção de lá sair. Com a cara enfarinhada e um pedaço de pera cristalizada dependurada num dos cantos da boca, parece estar pensativa e agastada, com o olhar fixo no chão. Oh, afinal, está apenas a twittar o seu trigésimo sexto insulto do dia, através do seu smartcoiso de antepenúltima geração - ainda longe do seu record pessoal.

De novo, a realização de Mestre Palhacim foca-se nos verdadeiros artistas. Parecem estar prontos para começar o concerto. O vocalista, Vê Da Silva, parece estar a olhar para a câmara... não, está a olhar para o público... não, está a olhar para ambos! Fenomenal!

"Um, dois... Um, dois... som... som..."

A multidão continua impávida, tratando de deglutir filhoses à pazada. 

O guitarrista, Éme Frasquilho, adianta-se já no seu número especial e parte a guitarra mesmo na cachola de Vê da Silva, que aparenta nem sentir o impacto. Esperem... um dos olhos mexeu-se...

Agora sim, já ninguém consegue segurar o público. Finalmente, ficam provados os rumores de que há divergências profundas na banda, eles são mesmo rivais a sério! E se o público não gosta de uma boa divergência, em especial se meter porrada.

Sempre atento, o realizador faz novo close-up, desta vez sobre Frasquilho, que pisca o olho a Vê Da Silva! De imediato, a camara procura a reacção do vocalista... mas nada, continua um olho para cada lado. Esperem lá, ele começa a erguer o braço esticado e... faz o "like" a Frasquilho! Afinal, continuam amigos como sempre!

V. Da Silva pega então no microfone - esperem, pegou na garrafa da água... já lá vai alguém da produção dar uma ajuda... agora sim! 

"BOA NOITE TUGAL!!!!!"

"BUUUUUUUUUUUUUUUU!"

"Eu sei que o querem mesmo é seguir com as vossas vidinhas patéticas, mas deixem-me primeiro apresentar o resto da banda, os perfeitamente medíocres... VULGARÍSSIMOS!!"

"..."

"Perante toda essa passividade e desleixo, cá vai disto:

Na bateria... a noooossa sapatona.... Catariiiina Caviaaar!

No contrabaixo (e contra tudo)... Jeeerónimo Ésse!

E nos ferrinhos e procriação assistida... A. Cristas!"

E por fim... o meu comparsa... o meu irmão... o "same shit, different smell" que eu escolhi... Éme FrasquilhoooooO!"

"E um, e dois, três, quatro"... a música começou a jorrar pelas potentes colunas, espalhadas por todos os media, devidamente amplificadas pelos comentadores e especialistas.

A abrir, para aquecer a audiência, um tema composto por Frasquilho, "Mãe Querida, Mãe Abastecida". O público ignora, preferindo insultar mais um VAR que se enganou no caminho.

No final da bela canção, a realização foca-sa agora na zona VIP. Oh, quanto g(l)amour! Costa, o manager da banda, todo vestidinho de branco, abraçado a um vulgar ladrão de camiões. Ao seu lado, o famoso Centelha, um jovem com um ligeiro atraso que se tornou num caso de sucesso e num exemplo a seguir ao ser escolhido para mascote dum grupo de mestres titeriteiros. Também ele se ajoelha e beija a mão ao vulgar contrabandista. Mas quem será este misterioso personagem?

O show tem de continuar, e agora é o próprio Da Silva que interpreta com mestria um tema de sua autoria, o já muito batido "A Minha Sogra É Um Doce (Mas Muito Competente!)"!

O espetáculo avança, perante o quase total desinteresse da assistência, que apresenta agora um generalizado sintoma de azia e embriaguez. 

Os êxitos da banda sucedem-se a bom ritmo: "Gamar Pelos Dois", "Ardeu Tudo Mas a Culpa foi do Tempo", "Comissões & Inquéritos", "As Saudades que Eu Já Tinha da Minha PTzinha", "Salgalhado, O DDT (Destruidor Disto Tudo)", "Paris, Je T'Aime... Mais Je N'ais Pas das Argent" e "Rainbow Submarine", entre outros.

Costa está delirante na sua confortável cadeira, maravilhado com a afinação que conseguiu para esta pobre actuação. Está eufórico, julga-se o melhor manager do mundo... e no entanto... BUM!

Um estouro ensurdecedor vindo da zona VIP e depois, silêncio quase absoluto. Ávido de sangue, Palhacim ordena a todos os operadores de camara para se concentrarem naquela zona. E de repente... a desilusão... Foi apenas um saco de petardos dos Assassinos Ilegais - a banda de garagem do tal ladrão de camiões misterioso - que rebentou inadvertidamente quando um pote de banha engravatado se sentou em cima deles (oh Sousa Martins...). 

Perante a banalidade da situação, Palhacim, conformado, manda regressar a transmissão à normalidade... Mas nem tudo é mau, porque está quase a acabar o concerto e ainda falta o tal hit do momento, que tem escalado todos os tops da falta de vergonha e da indecência, o "Sem Misericórdia de Nós".

Um tema que resulta verdadeiramente do trabalho de equipa de toda a banda, com destaque para as afincadas maquinações das escolas de música de onde vêm Frasquilho e Da Silva, em contraste com o fundamental silêncio ensurdecedor dos restantes membros da banda. 

As luzes apagam-se por completo... o público assobia porque, na sua grande maioria, acabou por entornar a cerveja na escuridão... e chega o grande momento da noite, o clímax da grande farsa...

(abertura de guitarra)

"Eu tinha um banco, um banquinho da treta,
 Já não havia mais xeta, 
 Nem adiantava procurar na gaveta...
 Até que disse... EUREKA!

 Tenho ali a caixa de esmooolas
 Com jeitinho, nem vão notar os artooolas
 Saco o guito, digo que é bonito 
 E que ficam donos do bancolas

 E depois nem (monte)pio
 Porque isto está por um fio
 E tu Santa, que nunca nos deixas sós
 Tem Misericórdia de Nós"

(instrumental)

Soa enfim o último acorde e começa o fogo de artifício, porque de fogo de artifício é que o povão parvalhão gosta mesmo. E olha, olha que maravilhoso que é, tão lindooo, ahhhh...



Bom Natal e um Muito Melhor 2018...



Do Porto com Amor,

Lápis Azul e Branco




11 comentários:

  1. Caro Lápis,
    Que grande, enorme prosa natalícia com que nos brindou, infelizmente tão mas tão reveladora do que é o bacoco português comum. Há demasiado tempo já venho dizendo que o que este povo precisa é de novelas, mexericos e bola. Assim é fácil de ser controlado. Infelizmente o português comum não sabe, e pior, não se quer informar.
    Um Feliz Natal para o Lápis e para os seus, e desejos de um extraordinário 2018.
    Forte abraço

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    1. Agradeço a generosidade e retribuo os votos. Um abraço Portista

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  2. Mestre Lápis,
    É por estas e por outras que discordo da máxima "Cada polvo, desculpe, povo tem as vulgaríssimas que merece (adaptado, é claro)". Requintada foi a prosa, espero que em 2018 o melhor ainda esteja para vir. Há, pelo menos, alguns que o não merecem. De facto, a nata é apenas uma finíssima camada que se mantém ao de cima. Aproveito também para renovar os votos de boas festas a todos ao DPcA e a todos os FCPortistas.
    Um abraço e boas festas para si e seus familiares.
    Luís Oliveira
    PS: Finalmente consegui comprar "O Polvo Encarnado" sem necessitar de me deslocar a latitudes mais a norte da minha Lisboa.

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    1. Agradeço e retribuo os votos, caro Luis (se me tinha pedido, eu tinha-lhe levado ou enviado um exemplar). Abraço Portista

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  3. Crónica muito bem esgalhada. Por coincidência toda esta cambada, alguns com cargos importantes, que anda por aí a gamar subsídios e empréstimos sem volta, descende de Cavaco Silva primeiro-ministro/presidente. Alguns de que me recordo: Hermínio Loureiro, Oliveira e Costa, Duarte Lima, Zeinal Bava, Leonor Beleza, Santana Lopes, Faria de Oliveira, Manuel Frasquilho, Ferreira do Amaral e naturalmente o garoto que levou o partido ao charco. Entraram tesos e saíram de bolsos cheios.

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    1. Agradeço a generosidade, caro José. Eu não consigo distingui-los por cores ou pseudo-ideologias, só pelos actos (ou ausência de). Tal como escrevi, "same shit, different smell"...

      Abraço e um excelente 2018.

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  4. Amigo Lápis, gostei imenso deste post.
    Um abraço amigo e tudo de bom para 2018.
    F.C.PORTO Campeão

    11DruLoVic

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