O Ricardo, o Jorge e a mística

sábado, 4 de julho de 2015

O Ricardo, o Jorge e a mística


Depois de um dia a seguir atentamente o IV Encontro da Bluegosfera, onde muito se falou sobre mística e ADN (ou falta deles), estive a ler as curtas entrevistas dos portistas Ricardo Quaresma ao Expresso e Jorge Andrade ao zerozero.pt.

Gostei bastante de reencontrar a habitual sinceridade e irreverência do Quaresma, não por ser actualmente o meu jogador favorito do clube, mas porque as suas curtas mas assertivas opiniões me tocam enquanto portista. A referência ao Benfica é fácil e óbvia, mas vindo dele (até por não ser a primeira, nem segunda, nem a décima vez) soa-me sempre a autêntica e provoca-me aquele ligeiro arrepio na espinha que só nós entendemos.

Já se começou a pôr em causa a devoção dele ao clube, porque se atreveu a concordar que era dos poucos que pode transmitir a tal mística, juntamente com Helton e até recentemente, com Jackson e Danilo.

Eu até sou capaz de me atrever a discordar quando por exemplo refere o Jackson, mas quem sou eu (ou melhor, que conhecimento tenho eu) à beira do RQ7 para falar destes assuntos?  E seguindo o raciocínio, quem somos nós todos, que estamos fora do balneário, para contradizer afirmações de quem lá está dentro?

Para mim, RQ7 é de facto o jogador actual que mais entende e vive o Ser Porto. Pode ser irreverente, até grosseiro às vezes, mas vibra com as nossas vitórias e sofre com as derrotas. É um símbolo da resistência da mística à erosão dos tempos.
E já agora, foi incompreensivelmente injustiçado por Lopetegui ao longo de toda a época, ficando no banco mesmo nas alturas em que era claramente o extremo em melhor forma e o único com capacidade para resolver jogos.

Depois li o que disse Jorge Andrade, comentando as afirmações de Quaresma.  O gordinho ex-central salienta a alteração dos valores humanos e culturais "tão presentes outrora e cada vez menos frequentes no futebol do novo século". Acrescenta ainda que hoje é o negócio do futebol se sobrepõe a esses valores e que o fenómeno de perca dessa identidade é um fenómeno generalizado, não exclusivo do Porto.

E entre outras coisas também interessantes, confirma a tese de Quaresma recordando a sua própria história de azul e branco:

"Cheguei a um clube e havia grandes campeões e todos os que chegavam queriam ser melhores do que eles para poderem jogar" e
"Só isso já era motivação extra", referindo-se a jogadores como Baía, Bicho, Aloísio ou Paulinho.

E termina reforçando a sua própria mensagem "Era uma equipa com valores humanos diferentes e quem conseguisse entrar nesse grupo sabia à partida que iria ter uma carreira promissora".

Que mundo de diferenças entre o então e o hoje!

E o que retirar disto tudo, no que à recuperação da mística diz respeito?

A mística do Porto é ganhar. Todos os suficientemente antigos percebem isto sem "mas" nem "ses". Só quem nunca viu o Porto perder (quase) sempre é que pode ter dúvidas. Claro que não é só ganhar, é "fazer tudo para ganhar, mesmo não conseguindo", é "se perder hoje, ter que ganhar já o próximo", é "contra o Benfica esmagar sempre sem misericórdia ou hesitações". Mas, no fundo, tudo isto se resume a GANHAR.

Em tempos (ainda recentes mas) idos, havia sempre um núcleo duro de jogadores, normalmente portugueses, que apesar da sua indiscutível qualidade futebolística, o clube conseguia manter temporadas após temporada. Mesmo que um acabasse por sair, já tinha ficado o suficiente para dar o seu contributo para que uma nova fornada de jogadores Porto estivesse pronta a assumir o seu papel. Foram grandes tempos, mas já não voltam para trás.

Hoje, os grandes talentos portugueses são detectados precocemente e muitas vezes nem chegam à equipa principal. Quando ficam o tempo suficiente, normalmente têm um de dois destinos: têm oportunidades, afirmam-se e rapidamente são levados para outros campeonatos ou não têm oportunidades ou não se afirmam e acabam em equipas secundárias.

Se são bons, levam-nos. Se não são, não interessam. Juntando a isto a irresistível tentação estrutural em fazer circular capital, ainda se acrescenta uma outra dificuldade: a inundação de jogadores estrangeiros que muitas vezes afoga os locais no mar do esquecimento. Mais o modelo de negócio, que implica comprar para vender mais caro, e a antiga mística está realmente tramada.

Então como fazer o upgrade para a mística do século XXI?

  • Ganhar. Continuar a ganhar mais do que os outros, garantindo todos os anos a presença na montra Champions. Só assim se consegue atrair e manter jogadores de qualidade. Ser competente e comedido nas contratações, acabar com o exército de excedentários (que existirão sempre, pela natureza do futebol, mas em muito menor escala).

  • Apostar forte em 2 ou 3 jogadores, dando-lhes um estatuto acima de todos os outros (salarialmente mas não só). Com isto procurar que em cada época pelo menos 2 desses 3 continuem no clube e ensinem os novos o que é Ser Porto. Preferencialmente formados no clube, mas não exclusivamente. Se falar em Moutinho e Lucho, acho que todos percebem o que quero dizer.

  • Entender a realidade em que vivemos e não continuar a insistir em tratar os jogadores como seres mentalmente incapacitados. A lei da rolha tem que ser substituída pela lei da responsabilidade. O grupo tem que ser respeitado acima de tudo, mas os jogadores também. No fundo, serem tratados como adultos responsáveis em vez de crianças mimadas. Pelos dirigentes, em primeira instância, e por todos os portistas, na última.


Não tendo fórmulas mágicas nem varinhas de condão, esta é a minha singela contribuição.

Do Porto com Amor



3 comentários:

  1. Ora, ora, meu caro, você diz tudo no final: RESPONSABILIDADE. A única coisa parecida com responsabilidade no último sketch do guardião da mística (que, caso não saiba, é uma tosta :)) foi estar vestido, provavelmente... De resto, foi só o grito normal que antecede, ou precede, o beijo no emblema: EU QUERO MIMO! Buuuaaaa... E jogar à bola, que é uma coisa que o moço faz tão bem? Issékera!
    Abc.

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  2. Eu percebo todo esse sentimento, caro Silva, acredite que sim.

    Noutros tempos (os tais idos), eu seria apenas mais um a alinhar no coro de críticas ao Quaresma, defendendo com unhas e dentes a blindagem do balneários, a "estrutura" e blá blá.

    Nos tempos que correm, já não sou capaz. E portanto serei apenas mais um a discordar da corrente dominante, continuando a achar que outros que lá estão (e não jogam) causam mais dano ao clube num dia do que o Quaresma com todas as suas entrevistas e mau feitio.

    E sai um fino e uma tosta mistíca que eu já vou!

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    1. Está a arrefecer...
      De resto, a minha opinião é uma mera generalidade. Isto é, não serve para o quaresma ou para o iker (pimbas!), serve para todos, a todo o tempo, seja qual for a estrutura. Quando se trata de desancar, não tenho preferidos :) Mas lá está, ninguém me paga para ter tento na língua.
      Abraco

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