Direitos televisivos e a impotência da liga

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Direitos televisivos e a impotência da liga


Um tema sumarento que não poderia deixar de dar a beber ao estimado leitor, simples e em cocktail DPcA




Esta semana foi anunciado, de forma surpreendente mas com a habitual pompa e fanfarronice que tristemente caracteriza o SLB, o acordo entre o clube e a NOS para a cessão dos direitos de transmissão televisiva dos jogos do campeonato em casa (e da BTV) para as próximas 3 temporadas, com possibilidade de extensão até 10.

Como sempre, o interesse está nos detalhes, pelo que passo a transcrever dos comunicados de ambas as empresas à CMVM:

"O contrato terá início na época desportiva 2016/2017 e uma duração inicial de três anos podendo ser renovado por decisão de qualquer das partes até perfazer um total de 10 épocas desportivas, ascendendo a contrapartida financeira global ao montante de €400.000.000, repartida em montantes anuais progressivos."


Lendo com atenção e socorrendo-me do meu razoável conhecimento da língua portuguesa, devo reconhecer que o que se deduz deste parágrafo é que o SLB só não receberá os €400M em 10 anos se não quiser. Ainda que ligeiramente ambígua, a expressão sobre a renovação "por decisão de qualquer das partes" parece suficiente para se inferir que basta que uma delas tenha interesse para que a renovação aconteça. Outra interpretação, nomeadamente a de que ambas as partes têm de ter interesse para que se renove, cai fora do significado da expressão, na minha modesta leitura semântica.

A ser verdade (e não tenho dados ou motivos para pensar que não seja), é um excelente negócio para o Benfica. Sem reticências. Falta saber se também o será para a NOS, mas isso é outra conversa.

Ainda assim, tenho pena que não tenham revelado a taxa de progressão a que se referem na última palavrinha. "Montantes anuais progressivos", anunciaram. Então quanto vão receber no primeiro ano? E no segundo? E no somatório dos três anos já acordados? Não deve chegar aos €120M (€40M x 3 anos), fazendo fé na tal progressividade. Mas serão €110M? Ou €100M? Ou €80M? Ou €50M? Não sabemos

Tal como não sabemos quanto vale a aparentemente "residual" cedência da BTV e seus direitos. Quem lê as "notícias", é levado a crer que valem zero, tal é a fanfarra à volta dos jogos da liga em casa.

Para o regimento propagandista do regime, isso nada interessa. Deram-lhes as parangonas e já lhes chega. Papam tudo o que vem da mão do dono sem questionar. E assim fazem crer aos milhões de papalvos que o querido líder atingiu finalmente a sua meta de €40/ano pelos direitos televisivos do futebol sénior. Same old, same old...


Termino esta primeira parte como comecei: aparentemente, é um excelente negócio para o Benfica, mesmo que bem menos do que querem fazer querer. Logo veremos, à medida que mais informação for divulgada, em que ordem de grandeza.



E para Porto e Sporting, foi bom este anúncio?

Aviso prévio: resolvi ser simpático, a bem da simplificação, e fingir que Porto e Sporting estão em pé de igualdade. Obviamente não estão. Mas como não é esse o tema, façamos de conta.

Como seria de esperar, o JN de hoje já faz ecoar na sua primeira página que "Porto e Sporting também exigem 40 milhões". Vale o que vale, que é apenas e só um aviso à navegação de que a próxima negociação dos respectivos direitos terá de ter em consideração este novo contrato do Benfica. Por outras palavras, é claro que ambos vão conseguir melhores contratos do que os seus actuais, mais ou menos próximos dos valores (anunciados) do SLB conforme as condições específicas de cada uma das negociações, nomeadamente a potencial concorrência que possa existir.

A propósito, a presença de Miguel Almeida, CEO da NOS, na recente gala dos Dragões de Ouro (entregando um dos galardões inclusive) não será alheia a este contrato. Ele sabe (e os accionistas também) que o Porto vai cobrar na mesma medida. Os nossos dirigentes estão atentos. E nós, consumidores portistas, também.

Portanto, a primeira conclusão que se pode retirar é que os três grandes irão beneficiar deste avanço dos encarnados. Em que medida, fica igualmente por saber.



E para os demais clubes da Liga? E o que representa isto para a própria liga e em particular para Pedro Proença?


Tendo como uma das suas bandeiras a centralização dos direitos pela Liga, que os negociaria em pacote (propiciando uma distribuição mais equatitativa por todos os clubes do montante global negociado), Pedro Proença é o primeiro e último grande derrotado nesta operação.

Obviamente que isso não implica de forma alguma que deva colocar o seu lugar à disposição, não só porque chegou à Liga numa fase em que objectivamente não teve tempo útil nem condições para o conseguir fazer (basta perceber que o SLB não o queria), como tem muitas outras coisas importantes para implementar no seu mandato.

No entanto, para sair desta mais ou menos ileso, terá que conseguir (por si ou apenas beneficiando do efeito bola de neve deste contrato) que todos os clubes da primeira liga venham a receber substancialmente mais do que recebem agora.

Ainda assim, o efeito perverso da atomização que agora se antecipa, com cada clube à procura per si da maior licitação que conseguir, será difícil de digerir seja em que circunstância for.

Mais problemática, no meu ponto de vista, é mesmo a questão do papel da Liga. Tendo como exemplo organizativo a Premier League, a que já me referi aqui, esta parceria NOS/SLB despoleta um processo que leva a que a nossa Liga se afaste ainda mais do modelo inglês. O que equivale a dizer que vamos em sentido contrário ao maior caso de sucesso organizativo do futebol actual. É claro que o papel da liga não se esgota nos direitos televisivos, mas não tenhamos dúvidas que money talks e uma (qualquer) Liga esvaziada desse poder será sempre refém dos interesse individuais (e muitas vezes contraditórios) dos maiores clubes e portanto, nunca a estrutura que se situa acima de todos os clubes e decide os moldes organizativos apenas em nome do negócio como um todo.


Ganha o Benfica, tal como o Porto e o Sporting por arrasto, e eventualmente os demais clubes da primeira liga em menor escala, mas perde o futebol enquanto negócio credível e gerido acima dos interesses clubísticos. Nada de realmente novo, portanto.



Do Porto com Amor




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