"A vontade do Povo"

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

"A vontade do Povo"


No seguimento da minha declaração de intenções pré-eleitoral, o indispensável olhar sobre a actual situação política pós-eleitoral por que muitos já suspiravam.



Pois continuem a suspirar, ouvi dizer que faz bem às varizes.

Quanto à política nacional, é um pagode. Como se já não bastasse a mediocridade e consequente falta de opções credíveis no leque de escolhas disponíveis no boletim de voto, eis que tudo o que se tem seguido às eleições vem hiperbolizar esse sentimento. Com os cumprimentos de S. Exa., o vagal Presidente da República.


Começando pelo princípio, qual foi o resultado eleitoral?

Site Legislativas 2015


Mesmo considerando que ainda estão 4 mandatos por atribuir (votos dos círculos externos), os resultados não deixam dúvidas a ninguém. Quem venceu as eleições foi a coligação PaF (ai!), constituída pelos dois partidos que formaram o anterior (actual...) governo.


Avancemos então para o ponto seguinte. O que diz a Lei sobre a formação do Governo? Igualmente simples, ainda que muito menos clara quanto à sua aplicação.


Site do Tribunal Constitucional


Como em muitos outros aspectos, este artigo da CRP é demasiado vago e até omisso quanto ao procedimento a adoptar pelo PR, mencionando apenas "tendo em conta os resultados eleitorais". Esta opção - nada inocente mas muito idiota - do legislador transfere para o PR a decisão final quanto à escolha da força(s) política(s) para formar governo mas não lhe dá nenhum critério preciso e objectivo para o fazer. 

Nem sequer adianta seguir o caminho da análise semântica e linguística da expressão, não só porque é suposto o espírito da lei ter um papel decisivo na sua interpretação, como na práctica cada constitucionalista interpreta à sua maneira, não havendo consenso excepto de que cabe ao PR decidir o que fazer.

Se num cenário de maioria de deputados na AR a questão é simples de resolver (pela praxis e pelo bom senso, não pelo texto constitucional), num caso como o actual de maioria relativa (menos de "metade+1") as coisas complicam-se.


O que deve então o PR fazer?

Em primeiro lugar, ressuscitar e se possível, regurgitar todo aquele bolo-rei não digerido.

Atingido o primeiro objectivo com sucesso, deve obviamente analisar o contexto actual e o historial de decisões (a tal praxis) que o precederam - não por serem vinculativas, mas porque a jurisprudência é sempre um caminho prudente e avisado em situações de indefinição.

A segunda parte não vou aprofundar, porque apesar de relevante, para mim é secundária e está bem documentada para quem tiver interesse.

Concentremo-nos então no contexto.

O bom do Costa passou a campanha eleitoral a distanciar-se dos partidos à sua esquerda, lançando-lhes muitas vezes críticas mais ferozes do que à própria coligação. Adicionalmente, repetiu até à exaustão que se candidatava para "acabar com as políticas" da coligação. Ainda que não tenha conseguido ser claro quanto ao que pretendia fazer, foi totalmente cristalino em relação ao que não queria para Portugal: não queria nem PSD, nem CDS e muito menos PCP ou BE. E por fim, "exigiu" aos eleitores uma maioria absoluta para poder implementar o seu plano de governação sem interferências.

A coligação, por seu turno, procurou dizer o menos possível. E bem, analisando do seu ponto de vista. Tudo o que pudessem dizer esbarraria sempre naquilo que fizeram e não fizeram durante a sua governação, com uma opção ideológica tão bem demarcada que não deixaria dúvidas a "ninguém" (ah ah, piada do dia). Assim sendo, concentraram-se em desviar-se das balas que lhes eram dirigidas e fazer poucas ondas, aproveitando ainda para assistir de cadeirinha à auto-flagelação da chamada esquerda.

Quanto a PCP e BE não sei muito bem o que disseram, mas tenho uns LPs meio-riscados em casa que prometo ouvir assim que possível. Em todo o caso, sei que não querem estar no Euro (não, não é o 2016), nem na NATO. E que nacionalizar é que era bom. E que "burguesia", "proletariado", "grandes fortunas", "capital" e o Marx mais velho. Nada em comum nem com uns nem com outros, portanto.

Resumindo, houve 4 caminhos diferentes propostos por 4 forças políticas (uma delas em coligação). Não houve e não há agora os de direita e os de esquerda. É absurdo e ridículo sugeri-lo, por muito que doa ao big looser Costa e seus esfomeados muchachos. Se tivesse um pingo de amor-próprio e honestidade intelectual, tinha aceitado a derrota com dignidade na noite das eleições e apresentado a sua demissão na hora. Como é apenas e só mais um político profissional, decidiu apostar tudo nesta mão (all-in), abdicando de um menos provável, mais tortuoso mas digno regresso num futuro mais ou menos próximo.

Mas quem lhe possibilitou este caminho foi o estimado Cavaco The Walking Dead Silva, com a sua postura esfíngica e as suas vagais declarações pré-eleitorais. Esta personagem é aliás tão caricatural que eu nem me atrevo a tentar melhorar o original. Todo ele é um freak show que de positivo só tem o facto de terminar dentro de poucos meses. Adiante.

Perdido no seu labirinto, Aníbal tarda em tomar uma decisão. A única decisão que pode tomar: a de convidar a coligação PaF a formar governo e indigitar PPC como primeiro-ministro. Porque das 4 forças (mais relevantes, entenda-se) que concorreram a eleições, foi a que teve mais votos. Apenas se PPC recusar o convite, deve o PR passar para outra solução. Ponto final.

Nada interessa que venha a ser (com enorme probabilidade) um governo sem capacidade de governar. É a vida. Assim que possível, teremos novas eleições. E quem sabe outras a seguir. E outras. Até que os senhores deputados (ai como eu gostaria que fossem deportados) sejam forçados a reconhecer que é necessário alterar a Constituição e em particular, o sistema de governo.

E que por favor não se continue a falar e a usar como argumento "a vontade do povo". Ouvir tantas e tão esclarecidas figuras falar na "vontade do povo" aumenta exponencialmente a minha preocupação com o futuro da nação. O "povo" não tem vontade nenhuma! O "povo" nem sequer existe em termos eleitorais. Cada cidadão votou na opção que quis. Ponto. O somatório dessas opções individuais determinou o resultado final das eleições. Mas é apenas um somatório! De muitas vontades individuais! Não há uma vontade do povo, mas sim milhões de vontades concentradas sobretudo em 4 opções - essas sim, representativas de uma vontade! O somatório final é apenas isso, um somatório, sem interpretação política possível, nem para um lado, nem para o outro. Ponto final.


Estou cansado.


Do Porto com Amor (mas sem paciência)



7 comentários:

  1. Na mouche...
    E realmente, essa do povo, já cansa, já satura, já enerva, e já enjoa!!!!
    E o povo vê-se pelo conjunto dos seus cidadãos, não os do rendimento minimo, das greves, ou dos papás abastados com filhos esquerdistas!

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    1. Parece que o zombie acordou, vamos ver...

      E o povo é quem mais ordenha...

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  2. Nana, vamos lá contabilizar a vontade do povo:

    60% votou à esquerda! Alvíssaras.
    70% votou na Europa e no Euro e na Nato e assim
    80% não estão a pensar na nacionalização dos Talhos Manel
    90% acham a Mariana Mortagua mais interessante que a Catarina Martins
    95% pensam quero Jerónimo usa casacos 2 números acima do seu

    Eu cá vejo grande sentido numa solução frentista de esquerda. Tendo em conta os resultados eleitorais, claro!

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    1. Não existe frente de esquerda, o PS é tanto de esquerda como eu!

      E quem votou BE ou PCP não votou para que eles abdicassem dos seus "princípios". Muito menos quem votou PS se revê nesses princípios.

      Por absurdo que seja, quem ganhou foram os partidos em funções durante o último mandato. Com minoria, mas ganhou.

      Venham de lá essas eleições ASAP.

      E a Mariana a servir finos na tasca vestida de enfermeira. Ou então de Che Guevara, pronto.

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    2. Vestida? Porquê vestida? Não estava a contar investir em fardas...

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  3. Concordo em absoluto com o post, desde a posição letárgica do Cavaco Silva ao desespero de regressar ao poder por parte do PS. É incrível como o António Costa fala, parece que ganhou as eleições. Cavaco Silva só tem de indigitar Pedro Passos Coelho para 1º ministro. Não há outra solução.

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