Jotócracia

sábado, 3 de outubro de 2015

Jotócracia


Não sabem em quem votar no próximo domingo?
Então este é o vosso dia de sorte, porque eu vou resolver esse problema.
Nas linhas que se seguem, se me derem licença. Eu vou à frente, para as escrever.



Antes de se começarem a queixar que este blogue é sobre futebol e não tem que se "meter" em política, remeto-os de imediato para a Cartilha. E acrescento, que mesmo que não houvesse cartilha alguma, tal não me impediria de escrever sobre o assunto. Primeiro, porque é um direito que me assiste; segundo, porque efectivamente terá impacto em todos os demais quadrantes da sociedade e da nação, futebol incluído.


Pois bem, está a chegar ao fim o período mais adorado por selectos funcionários públicos e equiparados. Aqueles 6 a 12 meses que antecedem as eleições legislativas portuguesas, durante os quais os mimos, os facilitismos e as promessas se acotovelam para marinar convenientemente os estimados serventes do Estado. Foi bom, mas vai acabar. Mas não fiquem tristes, daqui a quatro anos há mais (se não for antes).

Como tudo tem um preço, está igualmente a chegar a hora de retribuir em dobro aquilo que receberam. E não, não são apenas os funcionários do serviço público que vão pagar com juros obscenos, somos todos nós, os que pagámos impostos. Mas já me estou a desviar.

O que querem saber agora é em quem vamos votar. Sim, vamos. Rebanho por rebanho, mais vale seguirem o meu conselho, que não traz agarrado nem promessas nem favores futuros (ah, acabei de perder uns 20% dos leitores que ainda haviam chegado até aqui, na expectativa de poderem acumular mais um tachito... paciência... lá vão eles a correr para as sedes, a ver que migalha bolorenta lhes poderá ainda calhar).



Eleições legislativas. Dia 4 de Outubro. Vote!


É o assunto do momento, juntamente com a inscrição do Taaaaraaaaaabt numa escola de Sumo (com álcool, obviamente).

O problema é que não há ninguém em quem votar. Nem nada por que votar. Pelo menos para aquela imensa minoria que não espera lucrar - seja a que nível for - com o resultado do sufrágio. E então para aquela insignificância estatística que é o grupo dos que sonham que a política é uma "quase-arte" cujo objectivo primário é a prossecução do bem comum, mais impossível porque absurda se torna a opção de voto.


Porquê?

Porque não são os eleitores que escolhem quem desejam eleger. São os partidos. O que à partida (pardon my alliteration), até poderia resultar. E de certa forma, resultou num passado já distante. Porque os candidatos a eleitos começaram por ser seleccionados por estarem entre os melhores, os mais capazes, alguns até com provas dadas e reconhecimento público do seu valor enquanto membros que contribuíram para o desenvolvimento da sociedade. Figuras, personalidades, como lhes quiserem chamar. Com um passado anterior à política (ou pelo menos, em paralelo com) que lhes valeu o tal reconhecimento e a seleção para se tornarem candidatos.

Actualmente, temos profissionais da má vida.

Não sei se nasceram, mas cresceram na política. 

Desde colar cartazes entre uma mini e outra, distribuir panfletos e bandeirolas entre duas vodkas, até tomar de assalto as associações de estudantes (para aqueles que ainda se dão ao trabalho de fazer - não encomendar por equivalência - um curso superior), tudo serve para o ritual iniciático (got it?), que depois se desenvolve pelas jotas fora (ou será lojas adentro).

As primeiras traições aos até então grandes amigos/companheiros/camaradas/palhaços e a subida dos primeiros degraus da infâmia, as primeiras prestações de favores e cobrança de promessas em pequenos círculos locais, depois regionais, até acumular votos suficientes para se tornar visível aos top dogs (que me desculpe o meu, que é verdadeiramente top, pela analogia).


Um favor a sério, daqueles que já contam para o totobola (segunda liga) e a primeira chamada à capital. O deslumbramento. Um dia quero ser assim, é o pensamento que assalta todos os rookies quando se apercebem do círculo em que o senhor deputado, o senhor secretário e o senhor ministro se movimentam. E depois é deixar que a (violenta) natureza (humana) siga o seu curso. Até que um dia, chega a grande oportunidade de lutar pela liderança. Não é fácil, porque implica mil e um acordos, compromissos, promessas, vassalagens, lambe-botismos. A quem realmente decide e que nunca está verdadeiramente dentro da política. Ou melhor, está dentro, à vista até, mas sem assumir o inconveniente protagonismo.




Os vários candidatos a candidatos não têm então outra alternativa que não seja engalfinharem-se em lutas Le Coq Sportif para que a comandita vontante os veja como o boneco que lhes dará mais hipóteses de chegarem ao poder e assim ver os seus esforços majestosamente compensados.

Regra geral, o escolhido é o fantoche mais alinhado com os interesses que mais contribuem e mais garantias de reforma oferecem. Atrás dele, os galitos, garnizés e até algumas poedeiras que parasitam uma qualquer paróquia do galinheiro partidário e que tiveram o bom discernimento de o apoiar (leia-se, vender o seu voto). Mais uns quantos que vêm de fora, para enriquecer (literalmente) a proposta eleitoral com as suas contribuições (também literal) e temos a lista completa.


 Democracia = governo do povo
Jotócracia = governo dos jotas, pelos jotas, para os jotas


A nós, os eleitores que vivem fora da gosma partidária, o que nos sobra?
Escolher de entre quem foi escolhido por todas as razões menos pelas certas.

De certa maneira, é como se nos apresentassem um boletim de voto semelhante a este:

Como deseja morrer?
A) Atropelado por uma manada de gnus em fúria
B) Acidente de avião em queda desgovernada mas muito longa e agoniante
C) Doença venérea transmitida por um gorila (nem um postal...)
D) Às mãos de uma tribo de canibais que acabou um programa de emagrecimento

Mas eu não quero morrer, que diabos! (perdoem-me a expressão)


Mas e então o voto em branco?

Poderia - deveria - ser um poderoso e decisivo instrumento de avaliação da qualidade da proposta democrática. Se tivesse valor. É uma opinião mais ou menos aceite e de senso comum, mas que neste caso deveria mesmo ser considerada e implementada (nem que fosse por um período probatório).

Na minha opinião, o voto em branco deveria constituir-se como uma força partidária - aquela que está ausente das eleições - e como tal, em caso de maioria, deveria obrigar os partidos a apresentar novos candidatos em novas eleições. Bem sei que encerra em si um risco de instabilidade por sucessivos adiamentos, mas ainda assim bem menor do que o risco - aliás, a certeza - de sermos forçados a escolher entre maus candidatos e/ou más propostas ad aeternum, que é o que se verifica hoje. Uma espécie de rodízio em que ora nos dão arroz, ora nos dão feijão, com uma ou outra salsicha (bem) pelo meio e sem pedir licença. A boa da chichinha já tem dono e não é para tocar.


E que mais?

Bem, coisas simples, todas já inventadas e testadas com sucesso em democracias bem mais avançadas.

- Repensar o sistema político (que é como quem diz "estudar as alternativas que já existem por esse mundo fora e debater sobre a escolha de uma ou várias delas"), com o inócuo e inútil regime semi-presidencialista (quem tiver dúvidas, que consulte aqui quais são os outros países que se regem por este sistema...) e a forma de seleção e eleição dos candidatos a deputados da AR à cabeça, para que a prestação de contas aos eleitores passe a ser mandatória e efectiva. E de seguida, o escrutínio do trabalho parlamentar, a definição de regras de incompatibilidade (durante e pós mandatos), a forma de eleição e escrutínio dos juízes dos vários tribunais superiores. Entre muitas, muitas outras coisas.

 - Obrigatoriedade de submissão pré-eleitoral de um programa de governo exaustivo que responda a todas as questões essenciais da governação (estado social, impostos, défice, investimento público, sectores de aposta na economia, etc. etc.) que seria posteriormente avaliado e usado contra os eleitos caso não fosse seguido. É uma questão complexa, com muitos "ses", mas que é passível de ser implementada.

 - Escrutínio sério, rigoroso e público de todas as sondagens e afins. Esta será outra eleição claramente influenciada pelas sondagens, pelo que se não tiverem sido isentas e rigorosas, foi a própria democracia que foi enganada e ficou suspensa. É a manipulação da opinião pública no seu esplendor, como se já não bastasse o caudal constante debitado pelos media.

 - Bonus track (não sei se alguma vez testada): por que não incentivar o voto? Comprá-lo, vá. Mas apenas no sentido de levar as pessoas a votarem (num candidato, em branco ou nulo até). Desde instituir como obrigatório até à indexação de benefícios fiscais ou sociais, tudo deveria ser ponderado para que as pessoas exercessem o seu direito que é também um seu dever.


Mas então, entre que alternativas somos incentivados a escolher no próximo domingo?


 - De um lado, gente que mentiu descaradamente sobre o que se propunha fazer e que nada diz quanto ao que se propõe fazer;

 - Do outro lado, gente que mente descaradamente quanto ao que se propõe fazer e que da última vez fizeram quase tudo mal;

 - De outros lados, gente que desbobina ou que grita coisas que sabe que (felizmente) nunca poderá fazer - mentem, portanto;

 - Em comum aos dois primeiros, um vasto historial de quatro décadas de pequenos e grandes escândalos de compadrios, favorecimentos, troca de influências, sempre através do sacrifício do bem público aos pés (literalmente) do interesse de alguns privados (não incluo os últimos porque nunca tiveram responsabilidades governativas, ou seja, possibilidade de por a mão na ma$$a).


E então para quem irá o meu voto?

Deixem cá ver... atropelamento, não, dói muito... acidente de avião, é melhor não, tenho vertigens... doença venérea, não quero nem posso, sou casado... canibais, não, não, ia estragar-lhes a dieta. Já sei, vou optar por continuar vivo.

Eu sei, não tem piada nenhuma.

Desta vez, é OBRIGATÓRIO não levar a onomatopeia à letra!
A culpa é minha. E vossa. Todos somos, no mínimo, cúmplices tácitos. Deixamos andar, com a cabeça enterrada na nossa vidinha. Protestamos de forma veemente nas redes sociais, nos cafés, nas salas de espera. Depois encolhemos os ombros e voltamos à nossa vidinha. Estou a generalizar de forma injusta, tenho a certeza. Porque há quem tente, quem promova, quem discuta os problemas. Mas lamentavelmente ainda não conseguiu gerar alternativas.



Pois eu digo que CHEGA!


Se para este acto eleitoral já nada há a fazer a não ser votar, para o(s) próximo(s) está tudo por fazer.

E está claríssimo que o sistema partidário português não se vai reformar de dentro para fora. Não quer, não pode ou ambos... não sei e não me interessa. A solução terá que vir de fora.

No nosso tempo, em que informação circunda o planeta à velocidade da luz e está acessível a "todos", há poucas justificações para que nós, as pessoas comuns, de bem, não nos organizemos e nos tornemos numa (em duas, três, dez...) poderosa força de intervenção. Força esta que se poderá situar num largo intervalo de acção, desde o think tank que estuda e opina sobre as questões essenciais a uma verdadeira força política para disputar eleições. Não sei se de esquerda, de direita, de cima ou de baixo. Provavelmente de todos os lados, cada um por si. Mas com um traço comum a todos: o da primazia do bem comum, do desenvolvimento desta nação atrofiada por uma sufocante carga parasitária.

Por favor não percam tempo a tentar deduzir se sou um comuna, um chucha, um fascizóide da laranja ou da hóstia (conforme os opositores de cada um os gosta de achincalhar) ou outra coisa qualquer. Provavelmente sou um pouco de todos mas garantidamente não pertenço a nenhum. Sou apenas mais um de vocês, suficientemente educado e elucidado para sentir extrema dificuldade em continuar a aceitar este estado de coisas.

Se esta leitura te disse alguma coisa, se de alguma forma accionou algum buffer, por favor comenta qualquer coisa. Nem que seja apenas para dizer li e também não estou contente. Só para ver se sou só eu que não pertenço a (nem me identifico com) nenhum partido...


Não sei por onde vou, mas sei que não vou por aqui.


Do Porto com Amor



Post Scriptum (por extenso, para não entrar inadvertidamente na campanha) - ao rever o texto, apercebi-me que tenho tudo para ser um político como eles. Se repararem, comecei por prometer que vos ia ajudar a decidir o voto e no final, não fiz nada disso. Mas aproveitei-me da vossa ingénua boa vontade para que continuassem a ler. Caramba, assim é fácil! E ninguém me pune, é? Uau... hum... acho que vou ali à sede de campanha mais próxima a ver se posso ajudar(-me)... e se não quiserem, tento na seguinte...



16 comentários:

  1. Admiro a sua fé em nós, os cidadãos. Mas depois, olho para os nossos Movimentos, de cidadãos, e o entusiasmo que ia crescendo ao longo da leitura...PAF, desmorona; PSSSS, esvazia... Somos bons a formar. Bora formar Jotas em condições! Nem que os tenhamos que ir buscar imberbes a África ou à América do Sul! Agora estou deprimido. Ganha o Relvas ou o Sócrates. Damn!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Compreendo o desânimo e até o partilho, mas não me resigno a ele. Vários desses movimentos supostamente de cidadãos não são mais que fachadas orquestradas por profissionais do ramo, normalmente os que ainda não conseguiram a piece of the pie.

      Eu proponho que em vez de formar Jotas, os pudéssemos fumar. Em conjunto, grátis para todos. Assim, numa linda e gigantesca fogueira de outono...

      Eu não desisto, antes insisto. E insistirei.

      Eliminar
    2. Vários não, todos! Mas enquanto há PURP ha esperança. Pelo menos de chegar a reformado e pensionista :) Com reforma e pensão é que não é tão certo...

      Eliminar
    3. E não sei mesmo, meu caro, se a abordagem profissionalizante, clara, honesta, transparente, não seria uma via. Que raio, quero excelentes políticos a fazerem política. Não preciso que sejam antes engenheiros. Formem-nos, ensinem-lhes que a excelência da sua profissão é o bem comum. Quanto melhor estiver a nação e os respetivos nacionais, tanto melhor terá sido o seu desempenho. Assim como assim, o que temos são políticos de carreira...

      Eliminar
    4. É bela a utopia, mas consegue imaginar políticos incompetentes nas filas do IEFP?

      Creio que a própria definição de ser político implica um serviço temporário, em que abdica dos seus interesses a bem dos da nação. Mais do que isto resulta sempre em carreirismo e estar ao serviço de interesses particulares.

      Eliminar
  2. Devotadamente não voto... acho os nossos politicos demasiado tecnocratas. Pouco criativos, demasiado estereotipados e sem qualquer improviso para um golo de calcanhar ou pontapé de bicicleta!
    E depois essa treta da esquerda e da direita já não existe desde o fim da União Soviética!
    E a gente que se diz séria faz greves a torto e a direito sem respeito nenhum pelo resto do pessoal, enquanto que o pessoal que se diz em canhoto bloco mais não passam que filhinhos da mamã, com os seus portáteis e cultura absorvida numa nuvem de fumo...
    Quanto aos 2 que desde sempre nos governaram em democracia mais não são que 2 putas vizinhas que nunca se deram bem, mas impossiveis de viver uma sem a outra! Faz-me lembrar a minha infância na Vitória quando a minha mãe andava ao soco com a vizinha e passada uma semana 'tava em casa dela a tomar chá!!!!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Esse desalento que nos assola a todos é justificado... mas temos os políticos que permitimos e provavelmente que merecemos. Foi o "nosso" assobiar para o lado que permitiu que se chegasse a este ponto, onde eles se revezam na incompetência e no compadrio sem sequer disfarçar.

      Mas sim, nós também temos muito que evoluir até sermos um povo evoluído. Muito... mas a questão é que deveriam ser as elites governantes a puxar pelas pessoas e não o oposto.

      Vai dar mais trabalho, mas é obviamente possível chutá-los de lá para fora, DESDE QUE apareçam outros melhores para os substituir. Rectos, firmes, honestes e competentes. É que deixar lugares vazios seria apenas um chamariz para que os parasitas se reproduzissem mais depressa e os ocupassem como se nada se tivesse passado.

      Um abraço e não desista

      Eliminar
  3. Pensei deixar aqui um comentário mas dado que cheguei á conclusão que o meu amigo é apenas mais um aldrabão não vou fazê-lo!
    Prometem prometem e nada dão!

    ResponderEliminar
  4. A esperança eram os putos. Mas, os Cratos desta vida perpetuaram o sistema, aliciando os pais a comprarem os 20s nos Clips, Ribadouros, CM, LF, Rosário, etc. A pública fica com os restos e os "privados" serão os médicos, os professores, os gestores, os politicos, do futuro. A meritocracia vai no Batalha e empregos só da Católica, Portucalense ou ....batam punho e emigrem.
    Por isso, se o Palito fizesse um partido, não sei não...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ah, respondi ao comentário acima antes de começar a ler o seu... Veja lá a sintonia :-)

      Não confundamos cunhas com excelência... Felizmente ainda não chegámos ao ponto em que só o ensino privado dá acesso às profissões mais relevantes. E este, o ensino privado, tende a ser mais exigente do que o público, se vir bem as coisas e os maus exemplos são excepções.

      Já depois da licenciatura, a conversa é outra... Mas ainda assim, é o sector privado que oferece maiores garantias de ter sucesso pelo mérito. Pelo seu próprio interesse, naturalmente.

      Esta foi a primeira abordagem mas não será a última, garanto-lhe...

      Eliminar
    2. E já agora, meter médicos, professores, gestores, etc. e políticos no mesmo saco, é terrivelmente injusto para os primeiros

      Eliminar
  5. Referia-me principalmente aos privados do secundário. Se os razoáveis da privada têm média de 19 e os bons da pública 18, naturalmente ou artificialmente quem entra em Medicina são os privados, os da pública quando muito vão para fisioterapia. Claro que os de excelência da pública lá vão entrando, alguns, pois, por muitos "Capelas" que encontrem, não há forma de os desclassificarem.
    Saco...coloque lá também os juízes, os banqueiros, os jornalistas e veja se o Crato não resolveu o financiamento dos partidos do arco da governação para os próximos 30 anos, com uma regra de 3 simples.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Nesse sentido sim, o panorama é tão negar que seria caso para desistir do país.

      Mas por azar, um dos meus filmes favoritos é "Os Intocáveis" de Elliott Ness...

      Eliminar

Diga tudo o que lhe apetecer, mas com elevação e respeito pelas opiniões de todos.