Por instantes, senti-me a ser arrastado pelos braços, por um corredor sombrio. Estava ainda demasiado combalido para retomar os sentidos.
Abri os olhos e vi luzes brancas e redondas directamente por cima de mim. A seguir, vi um sujeito a observar-me com uma pequena lanterna. E ouvi-o comentar para alguém: "Tirando algumas negras, está bem. Em condições para resistir ao vosso "tratamento"". Quis reagir mas voltei a desmaiar.
Quando voltei a mim, estava deitado numa cama estreita. A penumbra não me revelava a totalidade do espaço envolvente, mas não demorei a perceber que estava numa cela. Hesitei entre levantar-me a gritar por alguém ou continuar deitado. A minha cabeça parecia estar em contagem decrescente para a explosão final, tão fortes que eram as pontadas que me agrediam, cadenciadas como um farol em noite de tempestade.
Após uns minutos, levantei-me. O farol desmoronou-se sobre mim e finalmente desapareceu na noite escura. Consegui finalmente raciocinar. Estou preso, meu Deus! O que irá ser de mim? Sou demasiado conhecido, não se atreverão a acabar comigo... Será?
Enquanto me debatia com o que fortuna me reservava, ouvi passos a aproximarem-se.
- Então, senhor B. Gode, já acordou? Estamos cheios de curiosidade para falar consigo. Venha comigo.
Não reconheci a cara, mas aquela voz... sim, já a tinha ouvido, mas onde e quando? Levantei-me e segui-o, após a porta da cela ter sido destrancada pelo guarda que o acompanhava. Era um edifício mal iluminado, quase sem janelas. Se tivesse de apostar, diria que intencionalmente para aumentar o terror dos "convidados".
Passamos duas portas de segurança e entrámos num pequeno gabinete, onde havia uma secretária, um telefone nela pousado, um intercomunicador na parede junto à porta e duas cadeiras. Rigorosamente mais nada.
- Sente-se. Sabe quem eu sou e porque está aqui?
Nesse momento, fez-se luz. A voz era a mesma que tinha ouvido após o acidente. Mas que grande acidente. Lembrei-me do corpo inerte do motorista. Paz à sua alma. Mas o que teria acontecido ao Francisco?
- Não ouviu a minha pergunta? Está com dificuldades de compreensão?
- Ah, não, desculpe. Ainda estou a refazer-me. Lembro-me de ter estado num acidente e pouco mais. Não sei quem o senhor é nem porque estou aqui, detido.
- Não sabe? Curioso. Conhece este perigoso terrorista? - perguntou, exibindo uma fotografia de Francisco Marques.
- Sim, conheci-o recentemente, mas não sabia ser terrorista.
- Então confessa ter estado com um terrorista?
- Sim... quer dizer, não. Sim, estive com esse senhor, mas não, não sabia que é considerado terrorista neste país.
- Ora, não goze comigo. Sou o famoso Carlinhos Daniel, está a perceber? Sou o senhor (in the) Norte, o rei de Paredes! E saiba que antes de ser uma importante patente do nosso querido Portugalistão, fui jornalista - conheço todos os seus truques!
Jornalista? Meu Deus, só posso imaginar o que terá "noticiado" nesses tempos... seguramente, também foi por ele e tantos outros como ele que o General Ventoinhas teve a possibilidade de tomar o poder de assalto.
- Senhor Daniel, eu...
- Coronel!
- Coronel Daniel, eu...
- Senhor Coronel!!
Toca o telefone, perante o espanto de ambos. Como que contrariado, o coronel atende.
- Quem se atreva a interr... ah, senhor general... mil perdões, não imaginava que era o senhor... sim, eu calo-me...
- ...
- ... está aqui comigo, senhor... ah?... sim senhor, imediatamente.
- Parece que é o seu dia de sorte. O General quer conhecê-lo. Vai ser levado de imediato até ele. Está com sorte, mas faça-me o favor de voltar a aparecer lá pelo Porto... adoraria retomar esta nossa conversa...
Gelei. O próprio ditador queria conhecer-me? Mas para quê? Iria fazer de mim o próximo "exemplo"? Aquele suor frio regressou, desta vez na forma de um dique que acabou de se romper.
Segui com um guarda até a um carro e entrei. Após ouvir alguns conselhos do Coronel, o condutor arrancou. Fiquei a matutar na expressão "lá pelo Porto". Já não estávamos no Porto? Onde então? Não demorou muito até que me apercebesse que estava de regresso a Carnidul! Tinha "apagado" de tal forma que nem me apercebi da viagem de regresso.
Menos de quinze minutos depois, chegámos. Ao palácio do governo? Não, a um estádio! Parámos no parque subterrâneo, onde outros dois "guardas" à paisana me aguardavam. Após subir pelo elevador, saímos numa zona ampla, toda ela decorada por diferentes tipos de mármores e, ao fundo, duas grandes portas de madeira. Se era para impressionar, estava a resultar. Senti-me ainda mais pequeno e impotente.
Um dos guardas seguiu na frente e abriu as portas. Entrámos numa pequena sala, decorada num estilo mais tradicional, dominado pelos veludos e madeiras em tons terrosos. Uma sala de espera, sem dúvida. O mesmo guarda bateu na porta seguinte e aguardou pelo assentimento vindo do outro lado antes de a abrir.
- Senhor, está aqui o prisioneiro... muito bem. - voltou-se para trás e apontou-me o caminho.
- Jóni Bigode, quanta honra!
- O...obrigado... é recíproca...
- Então como está essa cabeça? O que passou se? Ouvi dizer que se livrou de boa, grande acidente...
- Bem, obrigado... General?
O ditador Ventoinhas sorriu, abrigado por aquele característico bigode farfalhudo.
- Jóni, é verdadeiramente um prazer conhecê-lo, a sua fama percebe-o!
O General não era conhecido pelo seu domínio da língua, pelo que imaginei que talvez quisesse dizer outra coisa. Em todo o caso, percebi a dica.
- Agradecido, General. Sou um humilde jornalista que procura sempre fazer bem o seu trabalho, nada mais.
- Ora, não seja molesto. Mas gosto que queira fazer bem o seu trabalho - foi por isso que o trouxe até cá aqui. Consta que o andaram a engrominar com ideias falsas sobre o meu trabalho em perol do meu querido país e quero que conheça a verdade.
- Ah... sim, que bom, estou ansioso para a conhecer. A verdade, digo.
- Óptimo! Siga-me.
- Sabe onde vamos?
- Não faço ideia, General.
- Para sua sorte, estamos em pleno Congresso Nacional do Candeeirismo, o principal evento anal da edite de Portugalistão.
- Anual, suponho... com a elite.
- Exacto, foi o que eu disse. Este ano, resolvemos fazê-lo de forma mais modesta, aqui na nossa casa, a casa de todos os cidadãos de bem - o Estádio Nacional Zébio da Silva Tremoço. Sabe, à que passar uma imagem de contenção e sobridade à população. Nada de luxos desnecessários!
Descemos por outro elevador até a um auditório repleto de gente. Ao entrar, apercebi-me dos puxadores dourados das portas que pareciam ser autênticos. E dos milhares de papoilas que forravam as paredes. E do púlpito igualmente dourado. E... de uma cadeira enorme, um trono! Dourado, evidentemente. Tudo muito austero, sem dúvida.
- Deixe-me apresentar-lhe alguns dos homens mais notários da nossa praça...
Começou a debitar nomes, à medida que avançávamos pelas filas do auditório rumo ao palco, sobre intermináveis e artificiais aplauso e gritos de vivas:
- Aqui, alguns dos seus companheiros de profissão mais reputados: Vitor Lerpa e Zé Manel Cagado, d'A Mentirola; Eunuco Ladainha, do Reco... Jójó Camelo, Davi Alfinetes de Peito e Gagá Cristóvão, comentadores independentes... Ui Tantos, da Shit; Otário Alcoviteiro e Tainha Marmanjo, do Lixeiro da Manha... Luís Meteu-os e Galdéria Flopes, do MaisTabaco... Ruipê Trás(te) da BTVI24...
Todos se curvavam à medida que o Ventoinhas passava, estendendo a mão a medo para o cumprimentar, como se de pedintes esfomeados se tratassem. E depois a mim, olhando-me ora de soslaio, ora de forma ameaçadora.
- São uns queridos, todos eles. Mas gandas porfissionais! Agora aqui na primeira fila, algumas figuras do meu governo e da nação: Tony Chamuça, o meu primeiro-ministro de confiança... Dário Cêntimo, ministro do Tesouro... Demónio Metia (ao Bolso), ministro da Electricidade e Cultura... Doutor Cerdo Guerra, ministro da Propaganda... Silvo Tarzan, ministro de... ó Silvo, o que é que tu fazes mesmo? Ó, deixa lá.
- Estes e muitos mais, todos aqui reunidos para aclamar esta grande nação! Agora sente-se aí que eu vou falar à maralha.
Confesso que tive dificuldade em acompanhar o longo e monocórdico discurso. Como se já não bastasse eu dominar mal a língua, o General ainda fazia pior. Enfim, fiquei com a ideia de que mais não disse que Deus é grande e dos candeeiros e aqui o deus sou eu.
No final, duas horas depois, regressámos ao seu sumptuoso gabinete. Ofereceu-me uma bebida e convidou-me a sentar numa zona de sofás.
- Que canseira... mas é assim a vida de um parsidente delicado, sempre a trabalhar pelo seu país! Ficou com uma ideia mais certa do que fazemos aqui?
- Sim General, e agradeço-lhe por isso... mas tenho algumas perguntas que lhe gostaria de fazer... se me permitir, claro.
- Pois sim, faça as parguntas que quiser. Tem cinco minutos.
- Cinco?... Bem, então vamos a isso, sem perder mais tempo.
- No exterior, há quem diga que o General governa o país com mão de ferro, que não tolera oposição, isso é verdade?
- Meu caro, não deveria acarditar em tudo o que ouve. Portugalistão é o país mais democrático do mundo. Não há ninguém que não possa sair à rua e gritar "vivó éssélebê". Não há ninguém que não possa candidatar-se a qualquer cargo público, no estado, no clube ou no partido. Toda a gente pode dar as suas opiniões em favor da causa nacional-candeeirista, toda a gente.
- Mas, General, se me permite... e aqueles que - eventualmente - não se revejam na sua liderança ou nas suas crenças e convicções? É-lhes permitido manifestar-se? Podem concorrer a eleições livres contra si?
- Jóni, não há ninguém de bem que seja contra mim. Eu sou o melhor que o país tem para o liderar, percebe? Todos m'adoram. E quanto ao Bêfica, já se sabe, ganha todos os anos porque é melhor c'os outros. Somos uma referência intarnacional e até nacional! Foi a Nossa Senhora que disse aos três passarinhos de Fátima qu'era assim. E nada pode ir contrá Nossa Senhora, mãe do nosso Senhor!
- Certo... mas já que fala de futebol, como explica que uma equipa tão boa em Portugalistão, a ganhar há décadas de forma consecutiva, nunca consiga bater-se condignamente a nível europeu? Relembro que o FC Porto, por exemplo, quando dominava o futebol aqui no país, também conquistava títulos internacionais...
Fui longe de mais. A expressão calma e sorridente desapareceu num ápice. Em seu lugar, uma cólera ruborizada perfurou-me o olhar.
- Você é mesmo um bisbilhoteiro introvertido. Não quer saber da verdade, apenas liga às mentiras que se espalham por aí. Amanhã regressará a casa, porque aqui já não é bem-vindo. Mas livre-se de me negrenir, tenho agentes em todo o lado...
- Zé da Dezoito! - gritou.
- Sim, General Presidente?
- Leve este senhor ao nosso "hotel" especial, onde ficará até se ir embora. Amanhã, no primeiro voo. Trate-o bem.
- Sim General Presidente.
Desta vez fui conduzido pelo braço. Juraria que o tal Zé me atiraria ao rio, não fosse pela ordem expressa do General. Apesar de tudo, o homem tinha alguma noção do impacto internacional que o meu desaparecimento teria. Graças a Nossa Senhora!
O meu "hotel" era numa prisão. Pelo aspecto, haveria de ser uma ala especial, reservada a presos políticos ou de outra forma importantes, na sede nacional da P.I.R.O.C.A.
Estava já instalado na minha confortável cela (uma suite de luxo, se comparada com a anterior), procurando reavivar todos os detalhes desta inacreditável aventura, quando alguém me chamou.
- Jantar!
Levantei-me e fui até ao postigo aberto, para recolher o tabuleiro.
- Tenha atenção à sobremesa, guarde-a para mais logo.
- O quê?...
Não tive resposta. Pousei o tabuleiro na mesa e comecei a inspeccioná-lo. Sobremesa para mais logo? Vi uma taça com gelatina. Levantei-a e por baixo estava um bilhete: "Johnny, à meia-noite vamos ter consigo, queremos conversar. ass.: Amigos da Democracia."
Lá regressou o arrepio pela espinha acima. Ainda havia mais capítulos nesta louca aventura. Quem seria agora? E como conseguiriam vir ter comigo? Não havia nada a fazer senão esperar. Mas o Tempo, esse bandido, passou a mover-se, trocista, em câmara lenta. Nem consegui desfrutar da minha primeira refeição do dia, com tamanha ansiedade. E a dor de cabeça regressou, como um guerreiro que retorna a casa após uma longa batalha: cheia de vontade de recuperar o tempo perdido. Deitei-me a imaginar.
- Johnny?
Tinha adormecido de novo. Bolas! Já devem ser horas! Levantei-me como mola comprimida que se solta.
- Sim, sou eu. Quem é o senhor?
- Já vai saber. Vamos abrir a porta, prepare-se para me acompanhar. Está pronto? Só temos uma janela de um minuto.
- Ah, sim... estou pronto. Mas com receio. Onde vamos?
Mal a porta se abriu, saí e segui o misterioso amigo da democracia. Poucos segundos depois, estávamos noutra cela, bem maior do que a minha. Em verdade, era mais um apartamento, com várias divisões. Um luxo. Na sala de estar, um grupo aguardava em roda, sentado. Levantaram-se quando me viram chegar.
- Johnny, bem-vindo. Desculpe a pressa, mas só temos um guarda amigo neste turno. Daqui a precisamente uma hora, ele regressará para o levar de volta à sua cela.
- Quem é o senhor?
- Fui Molheira, antigo presidente da Câmara do Porto e convicto Portista. Sou um dos convidados especiais deste "hotel". Os outros são Professor Marmelo, o último presidente da República Portuguesa; Fernando Dois-Gumes, ex-presidente da Federação de futebol e Toninho Olifeira, um grande craque do passado. Ali sentado, está o homem-mito, o melhor de todos nós: o eterno presidente. Eterno no seu legado, porque a sua mortalidade já tem dificuldade em se levantar e em comunicar. Mas está connosco.
- Todos figuras proeminentes do anterior regime, deduzo. E todos silenciados pelo General...
- Correcto, Johnny.
- Mas surpreende-me que... como dizer...
- Estejamos vivos, não é o que quer dizer?
- Sim...
- O trapaceiro-mor é bronco e analfabruto, mas não é estúpido. Na realidade, é muito astuto. Sabe bem que a morte de algum de nós levantaria uma onda de contestação, além de lhe minar por completo a reputação internacional, a pouca positiva que ainda possa ter. Claro que nem todos tiveram a nossa sorte... o Super Gorila, por exemplo, está a fazer um "tratamento à sinusite" nas Berlengas.
- Como estrangeiro, a ideia que tenho é mais de dúvida... de não saber o que se passava cá. Portanto, devo concordar que a reputação do General, vista de fora, é simplesmente nebulosa. Ainda "ninguém" tem a noção exacta do que se passa aqui.
- É precisamente por isso que o trouxemos até aqui, Johnny. Queremos que ouça os nossos testemunhos e os divulgue por todo o mundo. Podemos contar consigo?
- Claro que sim. Se chegar a sair deste país, claro.
- Vai sair, o General não pode arriscar. E nunca vai saber deste nosso encontro.
- Só há um problema, então. Como posso tomar notas e sair daqui com elas? O meu material deve ter sido apreendido, se não se perdeu no acidente. E agora nada tenho para escrever.
- Aqui está o que precisa, Johnny. E não se preocupe com o resto. Está pronto para começar? O tempo urge.
- Vamos a isso.
Cada uma das ilustres figuras partilhou as suas histórias mais relevantes, aquelas que importava contar ao mundo. Como foram afastados dos seus cargos, o que sofreram e como foram capturados. O Tempo, outra vez trocista, passou a correr. Havia ainda muito para perguntar, mas estava na hora. Despedi-me com a promessa de fazer valer a minha palavra. As anotações daquela hora ficaram com o senhor Molheira.
- Uma última pergunta: o Francisco, ele está bem?
- -Sim Johnny, melhor que qualquer um de nós. Boa viagem!
Regressei à cela e tentei dormir. Em vão. Um turbilhão de pensamentos agitava a minha dorida cabeça. Não imaginava a hora estar no avião quando finalmente levantasse voo daqui para fora. Para casa.
Quando o sol já entrava de mansinho pela janela da cela, senti-me finalmente prestes a adormecer. Nisso, a cela abre-se.
- Entra aí, desgraçado. Logo à tarde já ficas com a cela só para ti. Bufo.
Uma figura garbosa entrou pela porta e piscou-me o olho: - Este gorila acha que me assusta. Tranquilo Johnny, é só mais uma visita ao "hotel".
- Quem és tu? - perguntei com a leve fúria de quem acaba de ser ver privado do sono de beleza pelo qual tanto lutou.
- Olá, estamos de mau humor...
- Desculpe, é o cansaço... como sabe o meu nome?
- Toda a gente de bem já aprendeu o seu nome, meu caro. Mas onde estão os meus modos... apresento-me: sou Lápis-Lazúli, modesto blogger Portista, agora da Resistência Nortenha, ao seu dispor. Cumprimentamo-nos com um vigoroso aperto de mão.
- É um prazer, Lápis.
- Ouça com atenção: já falta pouco para o virem buscar, mas antes que isso aconteça quero combinar consigo uma coisa...
- Estou a ouvir...
- Hoje em dia, já não consigo publicar nada aqui em Portugal...istão. Tudo é monitorizado e censurado. Mas continuo a ter muitas histórias para contar... Se eu arranjar maneira de lhe enviar essas histórias para o seu email, publica-as?
- Sim, claro que sim! Tudo o que ajude a expor este regime é do meu interesse. Vindo de dentro, melhor ainda!
- Combinado então! Sempre que conseguir, envio-lhe histórias por email, as... Crónicas de Portugalistão. Leia, copie e depois... não apague tudo. Publique!
A porta da cela voltou a abrir-se e o guarda apontou para mim. Estava na hora. Um abraço ao Lápis e parti rumo ao aeroporto. Era tempo de regressar a casa.
Quando finalmente o avião descolou e deixou Carnidul para trás, senti o maior alívio da minha vida. Ia mesmo voltar a casa. Ufa...
Pouco tempo após a descolagem, uma bela e simpática hospedeira aproximou-se:
- Senhor B. Gode, o comandante pediu a sua presença no cockpit, pode acompanhar-me por favor?
- Ah? Eu? A mim? O q...?
Um piscar de olhos interrompeu as minhas dúvidas. Levantei-me e segui-a. Já na zona executiva do voo, onde apenas ressonava uma senhora de idade já avançava, a hospedeira voltou-se e explicou, bem baixinho:
- Senhor B. Gode, sou filha de um famoso Tasqueiro da Resistência, de que eu própria também faço parte. Tenho aqui uma mochila que o senhor se esqueceu de trazer... por favor verifique se não lhe falta nada e sente-se num destes lugares. E tenha uma excelente viagem.
Abri a mochila e lá estava todo o meu material, o antigo e o recente. Tudo o que precisava para contar ao mundo a verdadeira história de Portugalistão.
Sentei-me no meu novo lugar, que naquele momento me pareceu mais confortável do que qualquer outra coisa que jamais havia experimentado. E finalmente adormeci.
(Fim)
Abri os olhos e vi luzes brancas e redondas directamente por cima de mim. A seguir, vi um sujeito a observar-me com uma pequena lanterna. E ouvi-o comentar para alguém: "Tirando algumas negras, está bem. Em condições para resistir ao vosso "tratamento"". Quis reagir mas voltei a desmaiar.
Quando voltei a mim, estava deitado numa cama estreita. A penumbra não me revelava a totalidade do espaço envolvente, mas não demorei a perceber que estava numa cela. Hesitei entre levantar-me a gritar por alguém ou continuar deitado. A minha cabeça parecia estar em contagem decrescente para a explosão final, tão fortes que eram as pontadas que me agrediam, cadenciadas como um farol em noite de tempestade.
Após uns minutos, levantei-me. O farol desmoronou-se sobre mim e finalmente desapareceu na noite escura. Consegui finalmente raciocinar. Estou preso, meu Deus! O que irá ser de mim? Sou demasiado conhecido, não se atreverão a acabar comigo... Será?
Enquanto me debatia com o que fortuna me reservava, ouvi passos a aproximarem-se.
- Então, senhor B. Gode, já acordou? Estamos cheios de curiosidade para falar consigo. Venha comigo.
Não reconheci a cara, mas aquela voz... sim, já a tinha ouvido, mas onde e quando? Levantei-me e segui-o, após a porta da cela ter sido destrancada pelo guarda que o acompanhava. Era um edifício mal iluminado, quase sem janelas. Se tivesse de apostar, diria que intencionalmente para aumentar o terror dos "convidados".
Passamos duas portas de segurança e entrámos num pequeno gabinete, onde havia uma secretária, um telefone nela pousado, um intercomunicador na parede junto à porta e duas cadeiras. Rigorosamente mais nada.
- Sente-se. Sabe quem eu sou e porque está aqui?
Nesse momento, fez-se luz. A voz era a mesma que tinha ouvido após o acidente. Mas que grande acidente. Lembrei-me do corpo inerte do motorista. Paz à sua alma. Mas o que teria acontecido ao Francisco?
- Não ouviu a minha pergunta? Está com dificuldades de compreensão?
- Ah, não, desculpe. Ainda estou a refazer-me. Lembro-me de ter estado num acidente e pouco mais. Não sei quem o senhor é nem porque estou aqui, detido.
- Não sabe? Curioso. Conhece este perigoso terrorista? - perguntou, exibindo uma fotografia de Francisco Marques.
- Sim, conheci-o recentemente, mas não sabia ser terrorista.
- Então confessa ter estado com um terrorista?
- Sim... quer dizer, não. Sim, estive com esse senhor, mas não, não sabia que é considerado terrorista neste país.
- Ora, não goze comigo. Sou o famoso Carlinhos Daniel, está a perceber? Sou o senhor (in the) Norte, o rei de Paredes! E saiba que antes de ser uma importante patente do nosso querido Portugalistão, fui jornalista - conheço todos os seus truques!
Jornalista? Meu Deus, só posso imaginar o que terá "noticiado" nesses tempos... seguramente, também foi por ele e tantos outros como ele que o General Ventoinhas teve a possibilidade de tomar o poder de assalto.
- Senhor Daniel, eu...
- Coronel!
- Coronel Daniel, eu...
- Senhor Coronel!!
Toca o telefone, perante o espanto de ambos. Como que contrariado, o coronel atende.
- Quem se atreva a interr... ah, senhor general... mil perdões, não imaginava que era o senhor... sim, eu calo-me...
- ...
- ... está aqui comigo, senhor... ah?... sim senhor, imediatamente.
- Parece que é o seu dia de sorte. O General quer conhecê-lo. Vai ser levado de imediato até ele. Está com sorte, mas faça-me o favor de voltar a aparecer lá pelo Porto... adoraria retomar esta nossa conversa...
Gelei. O próprio ditador queria conhecer-me? Mas para quê? Iria fazer de mim o próximo "exemplo"? Aquele suor frio regressou, desta vez na forma de um dique que acabou de se romper.
Segui com um guarda até a um carro e entrei. Após ouvir alguns conselhos do Coronel, o condutor arrancou. Fiquei a matutar na expressão "lá pelo Porto". Já não estávamos no Porto? Onde então? Não demorou muito até que me apercebesse que estava de regresso a Carnidul! Tinha "apagado" de tal forma que nem me apercebi da viagem de regresso.
Menos de quinze minutos depois, chegámos. Ao palácio do governo? Não, a um estádio! Parámos no parque subterrâneo, onde outros dois "guardas" à paisana me aguardavam. Após subir pelo elevador, saímos numa zona ampla, toda ela decorada por diferentes tipos de mármores e, ao fundo, duas grandes portas de madeira. Se era para impressionar, estava a resultar. Senti-me ainda mais pequeno e impotente.
Um dos guardas seguiu na frente e abriu as portas. Entrámos numa pequena sala, decorada num estilo mais tradicional, dominado pelos veludos e madeiras em tons terrosos. Uma sala de espera, sem dúvida. O mesmo guarda bateu na porta seguinte e aguardou pelo assentimento vindo do outro lado antes de a abrir.
- Senhor, está aqui o prisioneiro... muito bem. - voltou-se para trás e apontou-me o caminho.
- Jóni Bigode, quanta honra!
- O...obrigado... é recíproca...
- Então como está essa cabeça? O que passou se? Ouvi dizer que se livrou de boa, grande acidente...
- Bem, obrigado... General?
O ditador Ventoinhas sorriu, abrigado por aquele característico bigode farfalhudo.
- Jóni, é verdadeiramente um prazer conhecê-lo, a sua fama percebe-o!
O General não era conhecido pelo seu domínio da língua, pelo que imaginei que talvez quisesse dizer outra coisa. Em todo o caso, percebi a dica.
- Agradecido, General. Sou um humilde jornalista que procura sempre fazer bem o seu trabalho, nada mais.
- Ora, não seja molesto. Mas gosto que queira fazer bem o seu trabalho - foi por isso que o trouxe até cá aqui. Consta que o andaram a engrominar com ideias falsas sobre o meu trabalho em perol do meu querido país e quero que conheça a verdade.
- Ah... sim, que bom, estou ansioso para a conhecer. A verdade, digo.
- Óptimo! Siga-me.
- Sabe onde vamos?
- Não faço ideia, General.
- Para sua sorte, estamos em pleno Congresso Nacional do Candeeirismo, o principal evento anal da edite de Portugalistão.
- Anual, suponho... com a elite.
- Exacto, foi o que eu disse. Este ano, resolvemos fazê-lo de forma mais modesta, aqui na nossa casa, a casa de todos os cidadãos de bem - o Estádio Nacional Zébio da Silva Tremoço. Sabe, à que passar uma imagem de contenção e sobridade à população. Nada de luxos desnecessários!
Descemos por outro elevador até a um auditório repleto de gente. Ao entrar, apercebi-me dos puxadores dourados das portas que pareciam ser autênticos. E dos milhares de papoilas que forravam as paredes. E do púlpito igualmente dourado. E... de uma cadeira enorme, um trono! Dourado, evidentemente. Tudo muito austero, sem dúvida.
- Deixe-me apresentar-lhe alguns dos homens mais notários da nossa praça...
Começou a debitar nomes, à medida que avançávamos pelas filas do auditório rumo ao palco, sobre intermináveis e artificiais aplauso e gritos de vivas:
- Aqui, alguns dos seus companheiros de profissão mais reputados: Vitor Lerpa e Zé Manel Cagado, d'A Mentirola; Eunuco Ladainha, do Reco... Jójó Camelo, Davi Alfinetes de Peito e Gagá Cristóvão, comentadores independentes... Ui Tantos, da Shit; Otário Alcoviteiro e Tainha Marmanjo, do Lixeiro da Manha... Luís Meteu-os e Galdéria Flopes, do MaisTabaco... Ruipê Trás(te) da BTVI24...
Todos se curvavam à medida que o Ventoinhas passava, estendendo a mão a medo para o cumprimentar, como se de pedintes esfomeados se tratassem. E depois a mim, olhando-me ora de soslaio, ora de forma ameaçadora.
- São uns queridos, todos eles. Mas gandas porfissionais! Agora aqui na primeira fila, algumas figuras do meu governo e da nação: Tony Chamuça, o meu primeiro-ministro de confiança... Dário Cêntimo, ministro do Tesouro... Demónio Metia (ao Bolso), ministro da Electricidade e Cultura... Doutor Cerdo Guerra, ministro da Propaganda... Silvo Tarzan, ministro de... ó Silvo, o que é que tu fazes mesmo? Ó, deixa lá.
- Estes e muitos mais, todos aqui reunidos para aclamar esta grande nação! Agora sente-se aí que eu vou falar à maralha.
Confesso que tive dificuldade em acompanhar o longo e monocórdico discurso. Como se já não bastasse eu dominar mal a língua, o General ainda fazia pior. Enfim, fiquei com a ideia de que mais não disse que Deus é grande e dos candeeiros e aqui o deus sou eu.
No final, duas horas depois, regressámos ao seu sumptuoso gabinete. Ofereceu-me uma bebida e convidou-me a sentar numa zona de sofás.
- Que canseira... mas é assim a vida de um parsidente delicado, sempre a trabalhar pelo seu país! Ficou com uma ideia mais certa do que fazemos aqui?
- Sim General, e agradeço-lhe por isso... mas tenho algumas perguntas que lhe gostaria de fazer... se me permitir, claro.
- Pois sim, faça as parguntas que quiser. Tem cinco minutos.
- Cinco?... Bem, então vamos a isso, sem perder mais tempo.
- No exterior, há quem diga que o General governa o país com mão de ferro, que não tolera oposição, isso é verdade?
- Meu caro, não deveria acarditar em tudo o que ouve. Portugalistão é o país mais democrático do mundo. Não há ninguém que não possa sair à rua e gritar "vivó éssélebê". Não há ninguém que não possa candidatar-se a qualquer cargo público, no estado, no clube ou no partido. Toda a gente pode dar as suas opiniões em favor da causa nacional-candeeirista, toda a gente.
- Mas, General, se me permite... e aqueles que - eventualmente - não se revejam na sua liderança ou nas suas crenças e convicções? É-lhes permitido manifestar-se? Podem concorrer a eleições livres contra si?
- Jóni, não há ninguém de bem que seja contra mim. Eu sou o melhor que o país tem para o liderar, percebe? Todos m'adoram. E quanto ao Bêfica, já se sabe, ganha todos os anos porque é melhor c'os outros. Somos uma referência intarnacional e até nacional! Foi a Nossa Senhora que disse aos três passarinhos de Fátima qu'era assim. E nada pode ir contrá Nossa Senhora, mãe do nosso Senhor!
- Certo... mas já que fala de futebol, como explica que uma equipa tão boa em Portugalistão, a ganhar há décadas de forma consecutiva, nunca consiga bater-se condignamente a nível europeu? Relembro que o FC Porto, por exemplo, quando dominava o futebol aqui no país, também conquistava títulos internacionais...
Fui longe de mais. A expressão calma e sorridente desapareceu num ápice. Em seu lugar, uma cólera ruborizada perfurou-me o olhar.
- Você é mesmo um bisbilhoteiro introvertido. Não quer saber da verdade, apenas liga às mentiras que se espalham por aí. Amanhã regressará a casa, porque aqui já não é bem-vindo. Mas livre-se de me negrenir, tenho agentes em todo o lado...
- Zé da Dezoito! - gritou.
- Sim, General Presidente?
- Leve este senhor ao nosso "hotel" especial, onde ficará até se ir embora. Amanhã, no primeiro voo. Trate-o bem.
- Sim General Presidente.
Desta vez fui conduzido pelo braço. Juraria que o tal Zé me atiraria ao rio, não fosse pela ordem expressa do General. Apesar de tudo, o homem tinha alguma noção do impacto internacional que o meu desaparecimento teria. Graças a Nossa Senhora!
O meu "hotel" era numa prisão. Pelo aspecto, haveria de ser uma ala especial, reservada a presos políticos ou de outra forma importantes, na sede nacional da P.I.R.O.C.A.
Estava já instalado na minha confortável cela (uma suite de luxo, se comparada com a anterior), procurando reavivar todos os detalhes desta inacreditável aventura, quando alguém me chamou.
- Jantar!
Levantei-me e fui até ao postigo aberto, para recolher o tabuleiro.
- Tenha atenção à sobremesa, guarde-a para mais logo.
- O quê?...
Não tive resposta. Pousei o tabuleiro na mesa e comecei a inspeccioná-lo. Sobremesa para mais logo? Vi uma taça com gelatina. Levantei-a e por baixo estava um bilhete: "Johnny, à meia-noite vamos ter consigo, queremos conversar. ass.: Amigos da Democracia."
Lá regressou o arrepio pela espinha acima. Ainda havia mais capítulos nesta louca aventura. Quem seria agora? E como conseguiriam vir ter comigo? Não havia nada a fazer senão esperar. Mas o Tempo, esse bandido, passou a mover-se, trocista, em câmara lenta. Nem consegui desfrutar da minha primeira refeição do dia, com tamanha ansiedade. E a dor de cabeça regressou, como um guerreiro que retorna a casa após uma longa batalha: cheia de vontade de recuperar o tempo perdido. Deitei-me a imaginar.
- Johnny?
Tinha adormecido de novo. Bolas! Já devem ser horas! Levantei-me como mola comprimida que se solta.
- Sim, sou eu. Quem é o senhor?
- Já vai saber. Vamos abrir a porta, prepare-se para me acompanhar. Está pronto? Só temos uma janela de um minuto.
- Ah, sim... estou pronto. Mas com receio. Onde vamos?
Mal a porta se abriu, saí e segui o misterioso amigo da democracia. Poucos segundos depois, estávamos noutra cela, bem maior do que a minha. Em verdade, era mais um apartamento, com várias divisões. Um luxo. Na sala de estar, um grupo aguardava em roda, sentado. Levantaram-se quando me viram chegar.
- Johnny, bem-vindo. Desculpe a pressa, mas só temos um guarda amigo neste turno. Daqui a precisamente uma hora, ele regressará para o levar de volta à sua cela.
- Quem é o senhor?
- Fui Molheira, antigo presidente da Câmara do Porto e convicto Portista. Sou um dos convidados especiais deste "hotel". Os outros são Professor Marmelo, o último presidente da República Portuguesa; Fernando Dois-Gumes, ex-presidente da Federação de futebol e Toninho Olifeira, um grande craque do passado. Ali sentado, está o homem-mito, o melhor de todos nós: o eterno presidente. Eterno no seu legado, porque a sua mortalidade já tem dificuldade em se levantar e em comunicar. Mas está connosco.
- Todos figuras proeminentes do anterior regime, deduzo. E todos silenciados pelo General...
- Correcto, Johnny.
- Mas surpreende-me que... como dizer...
- Estejamos vivos, não é o que quer dizer?
- Sim...
- O trapaceiro-mor é bronco e analfabruto, mas não é estúpido. Na realidade, é muito astuto. Sabe bem que a morte de algum de nós levantaria uma onda de contestação, além de lhe minar por completo a reputação internacional, a pouca positiva que ainda possa ter. Claro que nem todos tiveram a nossa sorte... o Super Gorila, por exemplo, está a fazer um "tratamento à sinusite" nas Berlengas.
- Como estrangeiro, a ideia que tenho é mais de dúvida... de não saber o que se passava cá. Portanto, devo concordar que a reputação do General, vista de fora, é simplesmente nebulosa. Ainda "ninguém" tem a noção exacta do que se passa aqui.
- É precisamente por isso que o trouxemos até aqui, Johnny. Queremos que ouça os nossos testemunhos e os divulgue por todo o mundo. Podemos contar consigo?
- Claro que sim. Se chegar a sair deste país, claro.
- Vai sair, o General não pode arriscar. E nunca vai saber deste nosso encontro.
- Só há um problema, então. Como posso tomar notas e sair daqui com elas? O meu material deve ter sido apreendido, se não se perdeu no acidente. E agora nada tenho para escrever.
- Aqui está o que precisa, Johnny. E não se preocupe com o resto. Está pronto para começar? O tempo urge.
- Vamos a isso.
Cada uma das ilustres figuras partilhou as suas histórias mais relevantes, aquelas que importava contar ao mundo. Como foram afastados dos seus cargos, o que sofreram e como foram capturados. O Tempo, outra vez trocista, passou a correr. Havia ainda muito para perguntar, mas estava na hora. Despedi-me com a promessa de fazer valer a minha palavra. As anotações daquela hora ficaram com o senhor Molheira.
- Uma última pergunta: o Francisco, ele está bem?
- -Sim Johnny, melhor que qualquer um de nós. Boa viagem!
Regressei à cela e tentei dormir. Em vão. Um turbilhão de pensamentos agitava a minha dorida cabeça. Não imaginava a hora estar no avião quando finalmente levantasse voo daqui para fora. Para casa.
Quando o sol já entrava de mansinho pela janela da cela, senti-me finalmente prestes a adormecer. Nisso, a cela abre-se.
- Entra aí, desgraçado. Logo à tarde já ficas com a cela só para ti. Bufo.
Uma figura garbosa entrou pela porta e piscou-me o olho: - Este gorila acha que me assusta. Tranquilo Johnny, é só mais uma visita ao "hotel".
- Quem és tu? - perguntei com a leve fúria de quem acaba de ser ver privado do sono de beleza pelo qual tanto lutou.
- Olá, estamos de mau humor...
- Desculpe, é o cansaço... como sabe o meu nome?
- Toda a gente de bem já aprendeu o seu nome, meu caro. Mas onde estão os meus modos... apresento-me: sou Lápis-Lazúli, modesto blogger Portista, agora da Resistência Nortenha, ao seu dispor. Cumprimentamo-nos com um vigoroso aperto de mão.
- É um prazer, Lápis.
- Ouça com atenção: já falta pouco para o virem buscar, mas antes que isso aconteça quero combinar consigo uma coisa...
- Estou a ouvir...
- Hoje em dia, já não consigo publicar nada aqui em Portugal...istão. Tudo é monitorizado e censurado. Mas continuo a ter muitas histórias para contar... Se eu arranjar maneira de lhe enviar essas histórias para o seu email, publica-as?
- Sim, claro que sim! Tudo o que ajude a expor este regime é do meu interesse. Vindo de dentro, melhor ainda!
- Combinado então! Sempre que conseguir, envio-lhe histórias por email, as... Crónicas de Portugalistão. Leia, copie e depois... não apague tudo. Publique!
A porta da cela voltou a abrir-se e o guarda apontou para mim. Estava na hora. Um abraço ao Lápis e parti rumo ao aeroporto. Era tempo de regressar a casa.
Quando finalmente o avião descolou e deixou Carnidul para trás, senti o maior alívio da minha vida. Ia mesmo voltar a casa. Ufa...
Pouco tempo após a descolagem, uma bela e simpática hospedeira aproximou-se:
- Senhor B. Gode, o comandante pediu a sua presença no cockpit, pode acompanhar-me por favor?
- Ah? Eu? A mim? O q...?
Um piscar de olhos interrompeu as minhas dúvidas. Levantei-me e segui-a. Já na zona executiva do voo, onde apenas ressonava uma senhora de idade já avançava, a hospedeira voltou-se e explicou, bem baixinho:
- Senhor B. Gode, sou filha de um famoso Tasqueiro da Resistência, de que eu própria também faço parte. Tenho aqui uma mochila que o senhor se esqueceu de trazer... por favor verifique se não lhe falta nada e sente-se num destes lugares. E tenha uma excelente viagem.
Abri a mochila e lá estava todo o meu material, o antigo e o recente. Tudo o que precisava para contar ao mundo a verdadeira história de Portugalistão.
Sentei-me no meu novo lugar, que naquele momento me pareceu mais confortável do que qualquer outra coisa que jamais havia experimentado. E finalmente adormeci.
(Fim)
Do Porto com Amor,
Lápis Azul e Branco