Creio que devo começar por acalmar os (que se acham) mais acérrimos defensores de Sérgio Conceição, face a uma possível mas não-intencional "agressividade" inferida do título deste texto, mas que mais não é que a adaptação do título de um livro escrito por um bom amigo e que recomendo a todos, cujos detalhes guardo para o post scriptum.
Somos Campeões, carago! Do campeonato e da Taça, a saborosa Dobradinha, que é como quem diz, umas belíssimas e dominicais Trip(inh)as à moda do Porto. Parabéns a todos os envolvidos nestas determinantes conquistas, com natural destaque para jogadores e treinador.
Em inusitado tempo de pandemia e incerteza, esta dobradinha chega como um enorme bálsamo de tranquilidade e coragem que os Portistas muito agradecem e celebram, mesmo que de forma contida e contra-natura. Enfim, apenas mais uma dificuldade, das muitas de que é feita cada conquista da nossa história.
A final da Taça acabou por representar exemplarmente o que é ser do /jogar pelo FC Porto. Mais de uma hora em inferioridade numérica, uma arbitragem hostil e os nossos a morderem a língua, fazendo das tripas coração para trazer o troféu para o Museu do FC Porto. Não necessariamente contra tudo e todos, como muito gostamos de apregoar, mas seguramente contra muito mais que os 11 adversários em campo.
O Porto é uno e indiviso, Clube e Cidade, e nunca será apenas futebol. Pelo contrário, cada vez mais é necessário um Clube forte e determinado em carregar a bandeira de toda uma região - que não é geográfica, mas de sentimento de pertença - contra os permanentes vilipêndios e achincalhos por parte do centralismo bafiento e macrocéfalo que nos tolhe o desenvolvimento enquanto nação. Valente e imortal? Não, dependente e imoral.
Quem não entende isto, não se deveria considerar portuense. Que tenha a infelicidade de ter "nascido" e crescido do Benfica ou Sporting, enfim, disso não terá culpa, mas não entender o que o FC Porto representa (até para eles), é falta de coragem ou incapacidade.
Por tudo isto, cada conquista, cada troféu, é sempre mais um avanço da resistência, um novo grito de revolta, um abanão na inércia que nos adormece nos braços. Por tudo isto, Sérgio Conceição é, para mim, um herói dos tempos modernos. Não voa, não tem visão raio-X, mas tem uma força interior "sobre-humana" (e agora usa máscara, como todos nós) que nos teria conduzido agora ao tricampeonato, não fosse pela habitual vigarice dos sem-vergonha nas jornadas decisivas da época passada.
Sou, ao mesmo tempo, o maior defensor e o maior crítico de Sérgio Conceição. Parece ser uma pessoa normal, como qualquer um de nós, talvez com a diferença de ter defeitos e virtudes muito bem vincados, sempre presentes e facilmente detectáveis por todos. Goste-se ou não, pelo menos não engana.
O meu "problema" com ele é exclusivamente "profissional": como fui escrevendo ao longo destas três temporadas, o Sérgio chegou no meio da maior crise do Clube a que assisti (e que ainda subsiste, note-se) e fez de um bando de rejeitados e perdedores uma equipa de campeões. Esse mérito já seria suficiente para ficar eternamente nas páginas douradas do Porto, mas não se ficou por aí. Teve coragem para seguir ao leme na nova temporada.
Desvanecido o efeito surpresa e perante contratações que pouco ou nada acrescentaram, começou a fase lunar de Conceição: os resultados ainda foram aparecendo, mas o futebol nem por isso. Tendência que, sublinhe-se a bold, já vinha da primeira época. A questão é que nessa primeira época o desígnio era claro - manter a exclusividade do Penta - e as expectativas baixas, após várias épocas de péssimas escolhas do Presidente, que nos deixaram à mercê da incompetência, desonestidade e/ou falta de brio profissional dos vários treinadores e empresários que foram passando pelo Dragão, cada um com sua pá, cavando uma sepultura cada vez mais profunda.
Sentindo-se acossado, chegou a revoltar-se com os adeptos que pediam espetáculo, remetendo-os para o Coliseu ou Sá da Bandeira. Entendo bem que quem trabalha com dedicação e sacrifício da vida pessoal, se sinta injustiçado ao sentir esse tipo de exigência, ainda mais quando pontuada por muito desconhecimento do trabalho realizado e do próprio jogo.
Mas faz parte da vida do treinador do Porto, como ele bem sabe. E mais importante, pelo menos no meu caso, é que o tal "espetáculo", que eu designaria antes como bom futebol, além do inerente prazer de o assistir, nos colocará sempre mais perto de vencer - e aí, meu caro Sérgio, não há como contestar: jogar bem não é só (nem principalmente) jogar bonito, é jogar com confiança e atitude desde o primeiro apito, é saber e conseguir controlar o jogo, é impor respeito ao adversário seja ele qual for.
E isso, até hoje, ainda não aconteceu de forma consistente e predominante. Claro que houve jogos assim (felizmente, quase todos os contra o Benfica e uns quantos mais), mas volta e meia sentia-se a equipa amarrada, sem soluções para chegar à baliza contrária, ainda por cima sem a consistência defensiva que justificasse essa inoperância ofensiva. Qualquer Portista reconhecerá o frequente receio de poder sofrer um golo a qualquer momento, de qualquer adversário. Foi muito isto a segunda época - isto e a incapacidade de ganhar nos momentos decisivos (finais) e, claro, as arbitragens incorrectas e sempre tendenciosas a favor dos sem-vergonha.
Apesar de alguns bons reforças, tudo parecia indicar que esta terceira temporada ia ser mais do mesmo: pouco futebol e nenhum troféu. Para agravar, a eliminação madrugadora perante o Krasnodar, que tanto nos custou a nível económico (ainda por apurar o quanto...) mas também desportivo e mental. Por alturas da final da Taça da Liga, tudo parecia estar prestes a implodir: até o próprio Sérgio se revoltava publicamente contra o que considerava estar mal, embora tendendo a esquecer-se de incluir os erros próprios.
Podemos agora gozar com quem nos fez o funeral na altura, mas... usando de seriedade intelectual, quem é de nós, por aquela altura, não antecipava um fim muito triste para a temporada? Eu evidentemente que sim, digo-o sem assombro. Era o mais natural e o mais provável, sejamos sérios.
Felizmente não foi. Soubemos resistir (dentro de campo) e aproveitar o inesperado desabamento da equipa do Benfica, que nem com algumas das habituais ajudar teve capacidade para evitar o espectacular naufrágio. A vitória sobre eles no Dragão foi o princípio do seu fim anunciado. Depois... veio a pandemia e, meses mais tarde, o recomeço das competições. Voltamos a falhar com estrondo em Famalicão e tudo voltou àquele final de jogo na "Pedreira" em Janeiro. O resto é mais do que conhecido e acabámos inclusive a Liga jogar o nosso melhor futebol da época, alternado com mais alguns momentos de credo na boca, como em Paços de Ferreira.
Tudo somado, regresso à opinião que tinha no início desta temporada sobre Sérgio Conceição (depois de ter deambulado por maior negatividade): é a pessoa em quem mais confio para manter esta direcção "na linha", mas sem deixar de lhe exigir que evolua o seu pensamento sobre o jogo e desenvolva uma proposta mais condizente com o estatuto de clube grande. Percebo bem a questão premente dos ovos e das omeletes, mas sinceramente creio que teve matéria-prima para fazer melhor a nível do futebol jogado.
No final, todos queremos é ganhar, mas importa-me quase tanto a viagem como chegar ao destino. Desejo, do fundo do coração, que Sérgio Conceição continue no Clube, tanto como que tenha a vontade de melhorar a sua proposta de jogo.
Uma nota final para me despedir de San Iker, agradecendo-lhe a forma como se deixou apaixonar pela minha cidade e pelo meu clube. E de todos os que possam sair neste defeso, já agora. Até já, até sempre.
Parabéns e obrigado, Campeões!
Do Porto com Amor,
P.S. - o livro a que este texto rouba o título é "Obrigado pela Democracia, agora queremos Liberdade", da autoria de Miguel Ferreira da Silva, um dos fundadores (o mais importante, digo eu) da Iniciativa Liberal, que explica no livro o processos e contexto em que este movimento político se desenvolveu.
Antes que dêem asas ao sectarismo que vos caracteriza, por favor notem que é uma reflexão interessante para todos os que se interessam pelos caminhos que Portugal vai trilhando, independentemente das crenças políticas. Aliás, se calhar é até mais interessante para quem não se revê naquilo que a IL é e representa hoje. Excelente leitura de férias, trust me.