Se perguntarmos à tribo da bola qual a imagem de marca que Sérgio Conceição deixou nesta época de estreia enquanto treinador do Porto, é muito provável que "a roda" no final de cada jogo seja uma das respostas mais vezes citada.
Essa roda de original nada teve, tantas as vezes que já foi utilizada em tantos desportos colectivos, e, no entanto, acabou por ser o
símbolo da reinvenção do
Clube que o treinador acabou por impor. Talvez reinvenção seja exagerado, porque, no fundo, o que Sérgio fez foi
recuperar o velho espírito das Antas e adaptá-lo a 2017. As duas entrevistas que deu recentemente ajudam a confirmar esta tese para lá de qualquer dúvida razoável.
Sob qualquer ponto de vista, Sérgio Conceição é o maior vencedor da época futebolística, fora mas também dentro do Clube. O percurso visível - do treinador e da equipa - foi já esmiuçado e repetido à saciedade, mas para um Portista acaba por ser como lidar com uma cesta de cerejas: vai sempre mais uma.
Aceitou o desafio de sair de uma posição de algum conforto para abraçar um projecto de alto risco. O Nantes, além de pagar mais, garantia uma maior filtragem face a uma época menos positiva, porque é um clube de dimensão modesta (dentro da sua realidade competitiva) e sem "tradução" directa para a realidade futebolística nacional.
O FC Porto, clube português de maior sucesso do século XXI, onde aliás havia passado com máximo sucesso como jogador, foi uma aposta quase de "all-in" para Sérgio Conceição, sabendo-se da sua ambição para atingir o topo mundial da carreira. Tendo sucesso, abriria de imediato portas noutros clubes de maior poderio financeiro e visibilidade internacional, rumo a esse objectivo; falhando, entraria na discreta lista dos "não-ganhadores" e ficaria à espera que um qualquer Wolves o resgatasse da lama.
Sendo um homem teimoso e obstinado, foi-lhe impossível resistir a desafiar as probabilidades e correr esse risco para chegar à recompensa. Aceitou as condicionantes - garrote financeiro, jogadores "retornados" e contrariados, ambiente interno depressivo pela falta de troféus, o malfadado polvo sem-vergonha que tudo vicia - e meteu mãos à obra.
Se em campo se demorou um pouco a perceber por onde ia (apesar dos bons resultados desde a primeira jornada), fora dele tratou logo de afirmar a sua personalidade e em alegre sintonia com os valores do Dragão. Exigente, mas com espaço para momentos de descontracção, frontal, mas afável, determinado, mas nunca arrogante: foi assim, conferência após conferência, flash após flash e vitória após vitória, que foi atraindo as milhares e milhares de gotas azuis-e-brancas que acabariam por dar vida ao Mar Azul, que aliás nunca parou de crescer.
De forma sintética e por ordem cronológica, eis aqueles que considero os grandes méritos de Sérgio Conceição:
(+) Aceitar correr o risco de vir treinar "este" Porto, após quatro anos de desvarios e insucessos de várias ordens;
(+) Compreender bem os valores fundamentais do Portismo, dando-se a feliz coincidência deles comungar e a isso ter somado ainda algo essencial: fazê-lo transparecer a cada palavra e a cada gesto seus, transformando-se no factor de agregação que há muito nos ia faltando;
(+) Recuperar mentalmente jogadores "divergentes" e conseguir deles extrair grande rendimento desportivo, ao ponto de se transformarem em peças fundamentais da caminhada que acabou triunfal: Aboubakar, Brahimi, Ricardo, Herrera, Sérgio Oliveira e Marega foram absolutamente fundamentais para a conquista do título; no entanto, quantos de nós apostariam em algum destes antes de começar a época?
(+) Patrocinar a criação de um grupo coeso e focado na conquista do grande objectivo do Clube. Pode parecer trivial, mas na realidade não foi, tendo em conta todas as condicionantes já referidas;
(+) Conseguir sobreviver à fase de grupos da Champions, após duas derrotas nos três primeiros jogos. Foi onde o treinador mais terá sentido na pele a diferença de andamento de jogadores e treinadores adversários, mas não se deixou abater, ripostou e saiu por cima no final;
(+) Chegar à final four da Taça da Liga. Eu sei, eu sei, já se estão a indignar com a importância que estou a dar à "taça da cerveja" e blá blá, mas sabem também que comigo é sempre para ganhar, seja qual for a competição;
(+) A vitória na Luz após a traumática perda da liderança. Pelo golpe profundo que infligiu nos sem-vergonha e pela importância fulcral que teve nas contas finais, mas também enquanto símbolo da supremacia nos duelos entre grandes;
(+) A forma como viveu a conquista do campeonato: primeiro, em campo, nos jogos que ainda restava jogar; depois, nos vários festejos públicos; por fim, nas conferências e entrevistas. Genuíno, frontal, responsável e exigente; fiel a si mesmo.
Não se pense que foram tudo rosas, porque não foram - pelo menos para mim. Como seria de esperar, pelo seu feitio e pela sua ainda curta experiência (nula, a este nível), houve dissabores e muita "tentativa e erro", mas quase sempre com uma decisão seguinte melhor do que a anterior. Vejamos então quais os lowlights de Sérgio nesta temporada:
(-) A má gestão de Óliver. Se sou hoje menos "ilusionado" pelo pequeno espanhol do que no início da época, tal deve-se em primeiro lugar ao próprio, que não poucas vezes desiludiu quando teve oportunidade de brilhar. No entanto, acredito que parte dessa desilusão se ficou a dever a essa má gestão inicial, que o tirou abruptamente da equipa e fez dele o cordeiro sacrificial de uma estratégia que estava errada desde a sua concepção (Besiktas em casa), o que somado às dezenas de vezes que posteriormente foi chamado a aquecer sem nunca entrar, terá marcado muito o jogador a nível psicológico.
(-) A
"birra" com
Iker. Sei que estou a ser mauzinho ao apelidá-la assim, mas a verdade é que o Sérgio merece. Não discuto a sua argumentação (sobre o mau exemplo e o fraco rendimento no treino), discuto sim a forma como o fez. Não se tendo explicado desde logo, ficou a ideia de estar a puxar dos galões de macho alfa, de precisar de mostrar ao grupo que a sua pila era a maior de todas. Como é óbvio, Danilo, Marega e Aboubakar fartaram-se de rir. Além de que o tempo se encarregou de fazer com que voltasse a Iker, a bem da equipa.
(-) A discordância pública com
Francisco J. Marques. Tenho a impressão que o treinador não vai muito à bola com o director de comunicação (baseada na observação de vários "sinais"), mas mesmo que seja mais do que uma impressão, isso em nada deveria valer no que toca à imagem que passa para o exterior. O caso mais notório foi o do (mau!) desabafo de FJM sobre a saída (não concretizada) de Iker no final da época, altura em que Conceição não se conteve e mandou um
recado muito explícito pela imprensa. Com toda a razão que no caso lhe assistia, não o deveria ter feito dessa forma, porque abriu uma fenda na muralha.
(-) Moreira, Paços e Belém. Três jogos horroríficos da nossa parte, sem ponta por onde se lhe pegue. Cada um com a sua história, mas todos muito fracos. E somados, aparentavam ser demasiado para quem queria ser campeão. Felizmente não foi, mas não se pode confiar que numa próxima será assim.
(-) A eliminação da Taça de Portugal. Estava o trabalho meio-feito, não se compreende o jogo que fizemos em Alvalade. Aqui, bem pode argumentar o que quiser, que não me faz mudar de ideia: jogamos para não perder, ao invés de jogar para fazer golos, que seria a melhor solução para garantir o Jamor. Sorte do Aves.
Não sou, seguramente, dos fãs mais incondicionais de Sérgio Conceição, nem "do treinador", nem da sua personalidade.
Disse-o logo quando foi contratado. No entanto, não demorou mais de um mês a vê-lo
subir na minha consideração e não precisei sequer de três para reconhecer que estaria com ele, de corpo e alma e
"Sem Reservas", até final da temporada.
Hoje sou, definitivamente, muito mais seu admirador do que era quando cá chegou. E mais, sou-lhe já imensamente grato pelo muito que já fez pelo meu
Porto, tendo "crédito reaprovado" para investir a fundo numa nova temporada que será, por certo, bem mais complicada do que a agora terminada.
Seguiremos juntos, Mister - e obrigado.
Do Porto com Amor,
Lápis Azul e Branco