Quase dois dias após o maior roubo de que há memória num jogo de futebol no Portugal pós-ditadura - ia escrever democrático, mas fui educado a nunca mentir - o extremo nojo e a absoluta descrença numa qualquer utópica regeneração deste pardieiro crescem em mim a cada "peça noticiosa" que ouço e vejo (e que não ouço ou não vejo), a cada minuto que respiro.
Todos sabem da conjuntura, ainda que a maioria não queira saber. O Porto, sempre mais intolerado e odiado a cada tropeção que provoca no andor do desígnio nacional que, hoje como desde quase sempre, se resume à concentração de tudo na capital Lisboa (e que por isso é tão pouco e tão menos do que deveria). Não basta o maior PIB per capita, não basta a concentração das sedes de decisão, não basta a aglutinação das empresas de maior dimensão, não basta todo e qualquer braço do obeso, obsoleto e definhador Estado, não basta os eventos culturais, não basta as convenções internacionais, não basta os títulos desportivos, não: é preciso ser tudo, ter tudo e estar tudo o que (lhes) importa ali a quinze minutos da porta de casa. O resto do território é para explorar à saciedade e ir de férias quando aprouver, visitar as vinhas, praia, campo, montanha e dar de comer à fauna local (de tão pitoresca que é).
E o Porto, hoje mais do que nunca, é a única voz dissonante que se vai fazendo ouvir, seja pela perplexidade que causa, seja pelo incómodo da persistência. Mas a luta que o Porto ainda vai dando, no espaço mediático, quase se resume ao Futebol Clube do Porto e a umas investidas de Rui Moreira. Nada de novo, uma deprimente tendência que se arrasta há décadas, durante a maior parte das quais em contra-ciclo com o Clube: o que a cidade e a região iam cedendo sem gemer, o Clube ia reconquistando em orgulho, honra e dignidade. E títulos desportivos, muitos títulos desportivos, nacionais e internacionais.
Ora como fica bom de ver, isto é intolerável e até incompreensível nas cabeçorras destas segundas e terceiras gerações de "macro(a)céfalos" nados e criados na capital, filhos e netos de gente saída de todos os cantos do país and beyond e a quem deveria ter sido explicado e demonstrado que aqueles cem metros quadrados de terra numa aldeia de Bragança, de Portalegre, de Luanda ou de Goa que ficaram para trás, valerão sempre infinitamente mais do que os T-muitos na Ajuda e as moradias em Cascais - porque são os cem metros quadrados da sua herança, origem e história das gerações idas que os antecederam e lhes dariam um sentido e um propósito.
Claramente não foi e se a estes juntarmos os boçais arrivistas, oportunistas e parasitas recém-chegados às luzes hipnotizantes da "grande" metrópole (estou a devanear com um mosquiteiro eléctrico de talho, para ser sincero), temos o retrato fidedigno do panorama actual da corte deste país.
O desporto é muitas vezes considerado como o substituto moderno das batalhas e guerras que acompanharam a Humanidade desde os seus primórdios em que se começou a organizar em grupos, clãs, tribos e afins. E bem, diga-se, porque permite experimentar o prazer e adrenalina da conquista e da vitória sem toda aquela chatice da mortandade e dos campos cobertos de sangue. Por regra, sobra apenas o direito dos vitoriosos a gabarem-se e a enfurecer os rivais e na batalha seguinte, lá continuam todos vivos para novo confronto desportivo. Parece simples, mas é a essência do desporto: o confronto entre oponentes enquadrado de forma civilizado por regras pelas quais todos se devem reger.
Voltando à corte bolorenta, as incontáveis evidências demonstram a sua total incapacidade para lidar com as décadas de meritórios sucessos do Porto, tão bem ilustradas pelo João Pinto no Jamor e em Viena, pelo Baía em Gelsenkirschen e pelo festival de luz e água com que nos brindaram pela conquista de mais um campeonato no mais saboroso dos lugares mal-frequentados.
Havendo finalmente um jagunço ignorante e vigarista, sem vestígio de vergonha na cara e capaz de tudo, a liderar o clube que mais adeptos reclama ter (e por conseguinte, que mais sofre às mãos do Porto), juntou-se finalmente a fome à vontade de roubar - e de comer também, pronto. A corte pestilenta, normalmente sempre tão ávida por destruir o seu companheiro do lado e ficar-lhe com o quinhão, uniu-se finalmente a bem do desígnio nacional.
Do "jornalista" ao director de informação, do comentador isento ao especialista impoluto, do juiz ao funcionário do tribunal, do funcionário público ao Secretário de Estado, do bancário ao banqueiro, do advogado ao deputado e do vendedor de rifas ao empresário dos frangos, todos viram a Luz e sentiram o apelo de se irmanarem com o único fim: devolver (?) a glória desportiva ao maior do mundo (e de Lisboa também), fosse de que forma fosse, custasse o que custasse, doesse o que doesse.
Acto continuo, o assalto a todas as instituições que regulam as actividades desportivas e, muito especialmente, ao futebol. Não ficou pedra sobre pedra. Desde a federação à liga, em todos os lugares de decisão e em particular, onde com facilidade se pode adulterar a lealdade e o mérito desportivo: órgãos de disciplina e de arbitragem. Desde o justiceiro Ricardo Costa (hoje juiz conselheiro do STJ, pasmem-se) até esta senhora de que nem sei o nome, vários se perfilaram, serviram e foram recompensados (juiz conselheiro do STJ, insisto enquanto choro e rio).
Na arbitragem, foi ainda mais refinada a trama, bem ao estilo nazi: sob a batuta de um Vitor Pereira que nunca ajoelhou Jesus, foi fabricada e programada toda uma nova geração de árbitros, seleccionada segundo apertados critérios arianos de uma raça (desta vez inferior) amestrada e unida pelo ódio visceral ao FC Porto. Passo a passo, foram-se empurrando os árbitros activos para fora do futebol profissional, despromovendo os desalinhados, reformando os pouco determinados e mantendo apenas os serviçais como João Capela e Bruno Paixão, tão reconhecidos pela sua "incompetência" como pelo fervor clubístico.
"De repente", o quadro profissional de árbitros estava tomado de assalto pela nova seita e protegido pelos velhos pederastas que já mencionei e mais alguns como Hugo Miguel, que nos nutre um ódio doentio, e Nuno Almeida, mais benfiquista que árbitro. Não satisfeitos e para que o plano não corresse o mais pequeno risco, uma mão cheia desses novos acólitos é promovida de rajada a internacionais, onde ficam protegidos de descidas de divisão. Os famosos internacionais-proveta, para quem acompanha o futebol. E quem são eles? Vocês sabem, claro, mas eu digo: Fábio Veríssimo, Tiago Martins, Luis Godinho, João Pinheiro. Ring a bell?
Mas tão ou mais importante como adulterar a lealdade e o mérito desportivo é a enviesar a percepção pública que disso se cria. Sim, que ninguém se iluda, para o cidadão comum e até um pouco mais, uma mentira repetida muitas vezes e em todas as televisões, rádios e jornais por comentadores que se apresentam como isentos, seja de futebol, seja de arbitragem (um must destes tempos que vivemos, acaba por se tornar na única verdade que conhece e quanto mais distante do fenómeno, mais verdadeira essa verdade por desinteresse ou simples preguiça de verificação. E nisto também foram mestres da podridão, com o beneplácito dos directores das estações e demais artistas do meio com poder de decisão sobre quem convida e a quem paga para passar determinadas mensagens.
Ainda assim, o Porto continuou a ganhar. Não tanto como mereceu em campo, mas continuou. Não podia ser. Passamos ao nível seguinte, a desavergonhada e reles corrupção de adversários, jogadores e (suspeito) treinadores, pagar-lhes para facilitar, a negação do desporto. Quem puder garantir que nunca aconteceu, que me atire todas as pedras que encontrar (e peça ao Google para eliminar todos os registos de testemunhos na primeira pessoa dessas tentativas de suborno).
Ainda assim continuamos a ganhar, não foi? Pois sejam então bem-vindos ao que só pode ser o último nível.
Em todos estes quadrantes, é vê-los saírem aos magotes dos armários farsolas em que se iam contendo e deixar cair todas as máscaras, assumir sem qualquer pudor ou decoro (porque nunca os tiveram) o seu facciosismo, imparcialidade, sectarismo e puro ódio.
Jornalistas e comentadores insultam sem arrependimento o Porto, os Portistas e muitas vezes todos os que não são da corte capital (apenas porque não o são e mesmo nem sendo Portistas...), mentem descaradamente, sem castigo, e voltam à carga no dia seguinte ainda mais empoderados.
Nos gabinetes da política, fazem-se medidas à medida de uns e de outros, sempre em favor dos mesmos e em desfavor do mesmo. Sempre. Nos corredores da justiça acontece o impensável num estado de Direito, aceitam-se amnésias, permitem-se fugas, ignoram-se provas, avisa-se de buscas, tecem-se prescrições. Um cancro que se espalha agressivamente pela sociedade portuguesa e que ninguém parece querer parar.
Dentro de campo, o culminar de tudo isto e um pouco mais. Jornada após jornada, os mesmos são beneficiados de forma descarada, o Porto é intencionalmente prejudicado e todos são recompensados com novo jogo importante na jornada seguinte. Chegaram ao ponto de assassinar de vez as boas intenções que criaram o VAR a troco de um título nacional ou até menos, um segundo lugar. As decisões podem agora ser tomadas a centenas de quilómetros, sem que ninguém se possa sequer queixar. Os vigaristas são escondidos, protegidos e recompensados. Jogo após jogo.
O desespero é tal que já nem tem de ser o maior do mundo (e de Lisboa) a ganhar, pode ser o irrelevante tolo apalhaçado do outro lado da estrada que não faz mal, o importante... o importante é que o Porto pare de ganhar!
O completamente intencional, absurdo e desajustado empolamento que se tem dado desde segunda à noite a uma agressão de um grunho parasita a um operador de câmara, com honras sucessivas de primeiras páginas e aberturas de telejornais, comentários empertigados e exaltados vindos de todo o tipo de vermes e de todos os quadrantes da vida pública, em detrimento e para encobrir a muito mais grave viciação de resultado desportivo e do desfecho da competição que antecedeu a agressão é apenas o exemplo mais recente e paradigmático de estarmos já no tal último nível.
É evidente, até para qualquer imbecil, que a agressão tem a sua gravidade e deve ser tratada segundo dita a lei, tal como é evidente que muitas agressões semelhantes ou piores se sucederam em tempos bem recentes e nada disto se gerou. Mas todos sabemos isto, nós e eles. Só que eles já nem querem saber, o importante... o importante é que o Porto não ganhe outra vez.
Desde o jogo em Belém que fomos consecutivamente espoliados e afastados do título, o que só não tinha acontecido até segunda à noite por manifesta incompetência do líder fantoche e de quem nos persegue. Conseguiram, mas só desta forma. Mais um "campeão" falso como Judas.
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Este é o cenário. Este é o cenário em que já não consigo viver enquanto cidadão e homem de princípios. Enquanto não decido mudar de país, só me resta não me envolver mais neste lodaçal de podridão. Afastar-me do futebol, render-me talvez. Porque isto de andar aí a gritar aos quatro ventos sociais que somos isto e aquilo, e que nunca, jamais, enquanto imaginamos bater no peito, só serve mesmo para nos irmos enganando e digerindo os aviltamentos de que somos alvo.
Caramba, se quem dirige o meu próprio clube desistiu há tanto tempo de lutar, fazendo de conta que há-de passar e para o ano há mais, se os meus consócios continuam num sono criogénico à espera do próximo D. Sebastião enquanto o actual permite que se destrua tudo o que foi sendo construído, quem sou eu para lutar sozinho?
Pior, sei que se ficasse só me restaria mesmo lutar, no sentido mais literal e físico da palavra, para expurgar parte da raiva e da revolta que me consome por estes dias. E ficar depois, sozinho, a arcar com as consequências de um acto irreflectido e a tentar olhar nos olhos dos meus filhos e explicar-lhes porque fiz o que sempre lhes digo para não fazer, sem que absolutamente mais nada tivesse mudado sequer.
No dia em que sentir que os Portistas estão dispostos a tudo, começando por se juntar entre si sem estar à espera que a iniciativa venha de um qualquer presidente e deste em particular e demonstrar, com a força dos números, que não aceitaremos mais este estado de coisas, voltarei para estar na fila da frente. Antes disso, não me vou deixar mais consumir.
Até um dia destes,
Lápis Azul e Branco